Daimon. Revista Internacional de Filosofía, nº 92 (2024), pp. 224-227

ISSN: 1130-0507 (papel) y 1989-4651 (electrónico)

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DAMASIO, Antonio (2021). Feeling and Knowing: Making Minds Conscious, New York: Pantheon, New York, pp. 256.

Quando se fala de pessoa humana, deve-se também falar de temas como a vida, a biologia, o corpo, o cérebro, a sensibilidade, a afetividade, a inteligência, a consciência, a mente, etc. Porém, muitas das vezes, ao abordarem-se estes temas geralmente caem-se em alguns extremos, criando-se assim vários reducionismos: a) um consiste em opor estritamente muitas de estas realidades; b) outro consiste em analisar estas realidades separadamente, sem estabelecer-se qualquer tipo de relação entre elas; c) outro consiste na desconsideração de alguns de estes temas; d) um outro consiste na deturpação das suas essências, associando-as, muitas vezes, a realidades distintas, ou inclusive tornando-as sinónimas.

Neste sentido, é relevante e importante o livro mais recente de António Damásio, renomado neurocientista, que, dialogando com diversas áreas do conhecimento, como a filosofia, a biologia, a psicologia, a neurociência e a sociologia, propõe uma visão mais realista das mesmas, evitando, assim, cair em qualquer tipo de reducionismo. Do mesmo modo, salienta-se também o facto de o autor mostrar, ao longo da obra, bastante legível, os limites da sua investigação.

É verdade que, ao longo dos anos, Damásio tem vindo a abordar e a estudar estes temas, apresentando e propondo, com estas suas investigações, resultados bastante considerados e respeitados pela comunidade científica. Contudo, esta sua obra, na sua grande maioria, não consiste apenas numa síntese, compêndio ou epílogo de algo que foi mencionado anteriormente. De facto, como o autor menciona na introdução, nesta sua obra ele aborda temas que transcurou previamente e que, portanto, seria importante serem evidenciados nesta sua obra mais recente. Ao mesmo tempo, nela ele evidência, foca e desenvolve novos temas e novas intuições, que não se verificam nas suas obras anteriores.

Assim, para atingir tais objetivos, o autor dividiu basicamente esta sua obra em 5 capítulos: 1) On Being; 2) About Minds and the New Art of Representation; 3) On Feelings; 4) On Consciousness and Knowing; 5) In All Fairness: An Epilogue.

No primeiro capítulo, o autor analisa e relaciona: 1) a vida com a os diversos seres; 2) a evolução dos diversos seres; 3) os diversos seres vivos com o sistema nervoso, a sensibilidade, a afetividade, a inteligência, a consciência e a mente; 4) os seres vivos e as suas faculdades com o fenómeno da homeostasia; 5) os diferentes tipos de inteligência, o sistema nervoso, a mente, consciência, a memória e a imaginação.

Já no segundo, António Damásio continua a analisar e a relacionar os diversos seres vivos com o sistema nervoso, a sensibilidade, a afetividade, a inteligência, a consciência e a mente. Simultaneamente, neste capítulo o autor analisa e distingue os dois tipos de inteligência que se podem encontrar nos seres vivos: explicita e não explicita.

Sucessivamente, no terceiro capítulo, o autor examina, de uma forma mais detalhada, os sentimentos, ou seja: 1) a base e a origem dos sentimentos; 2) como os sentimentos se relacionam (ou não) com os diversos seres vivos; 3) a função e a importância dos sentimentos; 4) os diferentes tipos de sentimentos; 5) como os sentimentos se relacionam entre si; 6) a relação que eles estabelecem com o corpo, o sistema nervoso, a inteligência, a consciência e a mente; 7) a relação existente entre os sentimentos, a sociedade e a cultura.

Posteriormente, no quarto, Damásio analisa, todavia, de uma forma mais pormenorizada, a consciência, ou seja: 1) as funções e a importância da consciência; os diversos tipos de consciência; 2) de que forma ela se relaciona (ou não) com os seres vivos; 3) a relação da consciência com a sensibilidade; 4) a sua relação com o corpo, o sistema nervoso, a inteligência, os sentimentos e a mente; 5) a sua relação com a atenção, a imaginação, a memória e a cognição; 6) a relação existente entre a consciência, a sociedade e a cultura; 7) a relação existente entre a consciência, a medicina, a farmacologia, as enfermidades e as adições; 8) como a consciência se relaciona com a robótica e a inteligência artificial.

Finalmente, no último capítulo, no quinto, o autor destaca uma vez mais, como forma conclusiva, a importância e a função dos sentimentos, da mente e da consciência. Termina, com algumas questões ética, ou seja, sobretudo alertando apara o facto de que não devemos manipular a natureza nem destruí-la, algo que, infelizmente, sobretudo nos últimos tempos, tem vindo a acontecer.

Após esta análise à metodologia e à estrutura desta obra, gostaria de evidenciar os seguintes pontos, que considero aqueles que mais se destacam neste livro. O primeiro consiste no facto de António Damásio descrever, com bastante subtileza, logo no início da sua obra, os traços principais que caracterizam e distinguem os seres vivos dos seres não vivos, os seres unicelulares dos seres pluricelulares, as bactérias dos vegetais, das bestas e da pessoa humana, algo imprescindível para compreender-se com maior profundidade outros argumentos e noções contidas posteriormente em todo o livro.

Em sintonia com este ponto, destaca-se também nesta obra que o autor tenha estabelecido uma relação entre os vários seres, mostrando, assim, que eles são importantes não só para o ambiente, mas também para que os diversos seres possam garantir a sua própria sobrevivência.

Um outro ponto interessante da obra reside no facto de Damásio relacionar os vários seres vivos, em particular a pessoa humana, com algumas componentes e faculdades, como por exemplo, com o corpo, o sistema nervoso, a sensibilidade, a afetividade, a imaginação, a memória, a inteligência, a consciência e a mente. Ou seja, de que modo e porquê estas faculdades e componentes estão presentes (ou não) nos vários tipos de seres, e como eles se servem delas.

Destaca-se também, neste sentido, o facto de o autor, ao analisar estas distintas faculdades e componentes, ter distinguido, em algumas delas, diferentes tipos e graus de perfeição: por exemplo, quando fala e distingue a inteligência não-explicita da inteligência explicita, ou quando considera que a mente e a consciência humanas possuem, ontologicamente falando, um maior grau de perfeição. Quiçá, o autor pudesse, nesta sua análise, também distinguir entre consciência e autoconsciência, podendo, assim, dar mais profundidade à sua análise.

Em consonância com estes pontos, um outro, de igual modo interessante, consiste no facto de o autor descrever e relacionar também todas estas entidades entre si, aplicando-as sobretudo à pessoa humana, criando assim uma espécie de ‘simbiose’ entre elas.

Também em consonância com os pontos anteriores, destaca-se de igual modo na obra o facto de António Damásio demonstrar que não todos os seres vivos estão dotados com as mesmas faculdades. Assim, existe um grau de perfeição ontológico distinto entre todos eles; grau de perfeição ontológico que culmina na pessoa humana. Portanto, a pessoa humana é o ser mais complexo, dotado com um maior número de faculdades, e que, ao mesmo tempo, na maioria dos casos, apresentam um maior grau de perfeição.

Seguindo esta linha, destaca-se, de igual modo, o facto de o autor ter analisado como os a diferentes seres vivos evoluíram ao longo da história. De facto, os vários seres vivos diferem de como os conhecemos hoje, tendo estado, pois, sujeitos a um processo de evolução, a fim de sobretudo saberem interagir com o ambiente e, assim, garantirem a sua sobrevivência. O mesmo, diga-se face às distintas faculdades e componentes que podemos encontrar neles. Assim, para o surgimento destas faculdades e componentes foi necessário que os seres vivos tivessem adquirido um certo grau de perfeição, sem a qual não seria possível desenvolverem-se.

Sucessivamente, destaca-se também nesta obra o facto de Damásio não só descrever com profundidade a essência destas entidades, mas também de mostrar a sua importância para a vida, nomeadamente da pessoa humana, sobretudo no que diz respeito aos sentimentos, infelizmente, muitas das vezes, ignorados, desconsiderados, descredibilizados, ou até mesmo, do lado oposto, ‘divinizados’ por muitos investigadores.

António Damásio tem, portanto, o mérito não só de evitar qualquer tipo de reducionismo, mas também de apresentar uma visão muito realista ao abordar também esta faculdade. Isto torna-se evidente quando, por exemplo, ao longo da obra, ele mostra a função e a importância dos sentimentos, relacionando-os com as outras componentes e faculdades da pessoa humana, inclusive com os próprios sentimentos, entre si; ou quando demonstra que os sentimentos fazem referência tanto ao nosso mundo interno com àquele externo; ou quando explica as diferentes qualidades e graus de intensidade dos sentimentos.

Contudo, penso que o autor, ao abordar os sentimentos, a sua origem, função e importância, e de que forma eles se relacionam com as outras entidades, apresenta um mapa afetivo reduzido. Assim, em contrapartida, penso que o autor poderia nesta sua obra alargar o seu raciocínio a outros afetos, de igual modo importantes, em particular, para a pessoa humana, e não se remeter somente a analisar uma parte da afetividade.

Penso, de igual modo, que Damásio apresenta o limite de considerar que todos os tipos de sentimentos são conscientes. Objetando, penso que não todos os sentimentos são conscientes, como sucede por exemplo diante de alguns sentimentos físicos ou corporais ou diante de alguns sentimentos psíquicos, etc.. De facto, se não somos conscientes deles, eles podem escravizar-nos. Portanto, uma das nossas atitudes consiste em sermos conscientes desses sentimentos.

Analisando esta obra, salienta-se também o mérito do autor ter distinguido realidades que, por vezes, se confundem com outras realidades, essencialmente distintas, como por exemplo, a inteligência, a mente, a consciência, a imaginação, etc. Como ele demonstra e bem, estas realidades são essencialmente distintas, apesar de poderem relacionar-se entre si.

Destaca-se também na obra o facto de Damásio analisar, do ponto de vista neurocientífico, biológico e químico alguns fenómenos, entidades e faculdades, como a sensibilidade, os sentimentos, imaginação, a memória, a inteligência, a mente, a consciência, investigação que pode, sem dúvida alguma, desenvolver muitas outras áreas.

Em sintonia com este ponto e também com os outros, um outro, de igual modo interessante, que se evidência nesta obra, consiste no autor relacionar as entidades mencionadas anteriormente com a medicina, a farmacêutica, as enfermidades e as adições. De facto, por exemplo, as adições interferem quantitativa e qualitativamente no nosso corpo, no nosso sistema nervoso, na nossa mente, consciência e inteligência, etc.

Nesta obra, considero também relevante que o autor tenha evidenciado alguns pontos éticos bastante importantes, que, por vários fatores, podem ser descurados. Isto torna-se evidente quando por exemplo quando alerta para o facto de não se deve manipular, adulterar a natureza, a fim de não comprometermos também a nossa existência.

Num período onde se tende sobretudo a confundir a essência das entidades, componentes e faculdades anteriormente mencionadas, ou a desprezá-las, ou a evitar qualquer tipo de relação entre elas, ou a cair em alguns reducionismos, etc., penso que a mais recente obra de António Damásio poderá dar respostas muitos válidas, contribuindo, assim, ao desenvolvimento de muitas áreas de investigação.

Eugénio Lopes