AREAS Revista Internacional de Ciencias Sociales, 45/2023 “La enseñanza y el aprendizaje de las ciencias sociales en tiempos de incertidumbre”, pp. 11-31. DOI: https://doi.org/10.6018/areas.528121.

Conceitos de “Geografia” e “História” do ensino básico ao superior – ensaio no NW de Portugal

Elsa Pacheco, CITCEM. Universidade do Porto

Glória Solé, CIEd. Universidade do Minho

Laura Soares, Universidade do Porto

Marília Gago,CITCEM. Universidade do Porto

Resumo

No quadro de um Mundo profundamente incerto e em rápida mudança geracional, os responsáveis pela formação de professores de Geografia e História do NW de Portugal (Universidade do Minho e do Porto), refletem neste estudo sobre a evolução das perspetivas e conceitos de Geografia e História apresentados pelos estudantes do ensino básico/secundário e o superior. É relevante compreender o que é que os jovens, em diferentes estádios de formação, retêm acerca destas duas áreas, de forma a clarificar se a sua leitura espelha, ou não, os conteúdos e objetivos e se traduzem, ou não, as preocupações internacionais recentes de educação em Geografia e História. Parte-se da análise dos dados recolhidos junto de alunos em fim de ciclo de ensino, através de um questionário com duas perguntas de resposta aberta, nas quais se pretende que expressem “conceitos” e a “importância/valorização” para cada disciplina: (1) o que é a Geografia/História; (2) para que serve a Geografia/História. Daqui resultará a hierarquia de palavras mais relevantes, que será cruzada, através de uma metodologia quantitativa-descritiva, com as consideradas nas Aprendizagens Essenciais de cada ciclo de estudos dos ensinos básico e secundário; com os propósitos do percurso da formação de professores de Geografia e História no ensino superior; e com os referenciais internacionais de ensino e educação para estas áreas científicas. Os resultados expressam a necessidade de consolidar pontes entre as ideias emanadas de fóruns científicos internacionais e o desenho dos planos de estudo, com reflexo nas conceções que os estudantes constroem sobre a Geografia e a História, na sua relação com a formação de professores.

Palavras-chave: geografia, história, conceitos, educação, aprendizagem

Concepts of “Geography” and “History” from basic to higher education - essay in NW Portugal

Abstract

In the context of a deeply uncertain world and with rapid generational change, the scientific direction for the training of Geography and History teachers in the NW of Portugal (University of Minho and Porto), reflect on the evolution of perspectives and concepts of Geography and History presented by students of basic and higher education. It is relevant to understand what young people, in different stages of education, retain about these two areas to clarify whether their reading reflects, or not, the contents and objectives and if they translate, or not, the recent international concerns of education in Geography and History. The starting point is the analysis of the data collected from students at the end of study cycles, through a questionnaire with two open-ended questions, in which we ask them to express “concepts” and “importance/value” for each subject: (1) what is Geography/History; (2) what is Geography/History for. This will result in a hierarchy of the most relevant words, which will be crossed, through a quantitative-descriptive methodology, with those considered: in the Essential Learnings of each study cycle; the purposes of the training pathway of Geography and History teachers in higher education; and with the international benchmarks of teaching and education for these scientific areas. The results express the need to consolidate bridges between the ideas emanating from international scientific forums and the design of the study plans, with reflection on the conceptions that students build about Geography and History, in their relationship with teacher training.

Keywords: geography, history, concepts, education, learning

Data de recebimento do original: 15 de junho de 2022; versão final: 12 de abril de 2023.

Elsa Pacheco, CITCEM. Universidade do Porto. E-mail: geo.elsa@gmail.com; ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-0738-1219

Glória Solé, CIEd. Instituto de Educação, Universidade do Minho. E-mail: gsole@ie.uminho.pt; ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-3383-5605

Lura Soares, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. E-mail: lmpsoares@gmail.com; ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-4524-5936

Marilia Gago, CITCEM. Universidade do Porto. E-mail: mgago@ie.uminho.pt; ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-3109-8915

Conceitos de “Geografia” e “História” do ensino básico ao superior – ensaio no NW de Portugal1

Elsa Pacheco, CITCEM. Universidade do Porto

Glória Solé, CIEd. Universidade do Minho

Laura Soares, Universidade do Porto

Marília Gago,CITCEM. Universidade do Porto

Introdução

Entre outras ciências, a Geografia e a História revêm-se, claramente, no “new social contract for education” publicado pela UNESCO em 2021, definindo uma nova ordem imposta pela globalização, “[...] an order that saw walls brought down, borders disappear, and the movement of people, goods and ideas expand in ways unprecedented in contemporary history. It has been further fuelled by population migration and displacement resulting from conflict, economic hardship, and climate change pressures” (UNESCO, 2021: 39). Assim, é suposto que se consigam espelhar estes princípios no percurso de formação dos nossos jovens, desde uma fase inicial até alcançarem a profissionalização docente. Será que o seu entendimento sobre o “que é” (conceito) e “qual a utilidade” (importância/valorização) da Geografia e da História muda ao longo da sua formação desde o ensino básico ao superior? Se sim, esse processo de mudança traduz as transformações do mundo atual? Até que ponto a atividade profissional dos professores de Geografia e História está a contribuir para a missão de preparar os jovens para a complexidade e volatilidade do futuro? De resto, tudo indica que a construção de conceitos ao longo da vida tem por base o cruzamento entre compreensão psicológica, teórica, linguística e interpretativa, ou seja, admite-se que os jovens que concluíram o ensino obrigatório possuem a consistência necessária para exprimirem conceitos cuja mediação por outros, ao longo do seu percurso escolar, permite na idade adulta revelar uma consciência reflexiva capaz de (re)formular conceitos dotados de complexidade e cientificidade (Vygotsky, 1991; Gelman, 2009).

Se a “[e]ducation supports the creation of long-term economic well-being for individuals, their families, and their communities when it takes a broad view that looks at the world of formal, waged work and goes well beyond [então] education must engage the purposes and energies of those being educated” (UNESCO, 2021: 45). “To secure such engagement, teachers must build relationships of care and trust, and within such relationships, students and teachers construct educational objectives cooperatively.” (op. cit.:49). De facto, para que tal aconteça, é preciso que a construção dos propósitos educativos, nos sucessivos níveis de ensino, comece por refletir a evolução sociocognitiva dos discentes e, acima de tudo, traduzir a dinâmica de um mundo em mudança plasmada em publicações que decorrem de fóruns internacionais para a educação.

Trata-se de uma reflexão constante, porque a resposta não é fácil. Acreditamos, porém, que uma primeira leitura cruzada entre o que nos propomos ensinar (orientações curriculares), o que os alunos pensam sobre o que ensinamos (neste caso, Geografia/História) e o que internacionalmente se espera de um profissional de educação, geógrafo/historiador, constitui uma primeira base de trabalho para podermos encetar, senão propostas mais alargadas de adequação dos planos de estudos e seus desígnios, pelo menos iniciar práticas pedagógicas que possam consolidar as pontes entre estes três planos de intervenção educativa.

Definimos duas questões que orientam este ensaio metodológico: “o que é a Geografia/História” e “para que serve a Geografia/História” – áreas científicas que surgem no currículo juntas no 2º ciclo de ensino básico, mas que se separam a partir daqui até ao ensino superior, embora tivessem permanecido associadas na formação de professores de 2007 a 2015.

Começando pelos conceitos e ensino de Geografia no 3º ciclo do ensino básico e secundário, basta recuar ao início do século XX para se perceber que o ensino da Geografia sempre foi definido como o estudo da Terra na interação do Homem com o meio (Chisholm, 1908), perspetiva que vai permanecendo. Ou seja, a “[...] geografia como ramo de ensino tem por objeto a descrição da superfície da Terra, considerada nos diversos elementos, físicos e orgânicos, cuja combinação e encadeamento determinam a fisionomia atual do Globo.” (Amaral, 1968: 87). Com uma formulação muito próxima, na Carta Internacional de Educação Geográfica de 1992 pode ler-se que “A Geografia é a ciência que procura explicar as características dos lugares e a distribuição da população, dos fenómenos e acontecimentos que ocorrem e evoluem à superfície da Terra. A Geografia diz respeito às interações do homem com o ambiente no contexto de lugares e localizações específicas, [destacando a sua importância para a] futura gestão das relações entre a população e o ambiente.” (IGU, 1992: 15.5).

Em linha com esta conceção, a Conferência da União Geográfica Internacional realizada em Pequim em 2016, destaca o caráter único da Geografia enquanto ciência que cruza o ‘natural’ e o ‘humano’ em múltiplas escalas, chegando à aprovação da nova Carta Internacional da Educação Geográfica, na qual se considera que “Geography is the study of Earth and its natural and human environments. Geography enables the study of human activities and their interrelationships and interactions with environments from local to global scales. While geography often bridges natural and social sciences, it is pre-eminently the discipline that deals with spatial variability, i.e. that phenomena, events and processes vary within and between places and therefore should be regarded as an essential part of the education of all citizens in all societies” (UGI, 2016: 4)

A História enquanto ciência e disciplina do currículo que contribui para o desenvolvimento da Educação histórica é pensada de formas diversas.

Na linha da “filosofia alemã” e no pensamento de Jörn Rüsen, a Educação histórica é pensada como o desenvolvimento de um processo intencional e organizado de formação da identidade que relembra o passado, para entender o presente e antecipar o futuro (Rüsen, 2016a, 2021). Neste sentido, a aprendizagem histórica ocorre através de processos de pensamento e de formação que estruturam a consciência histórica através da competência narrativa. Assim, a aprendizagem histórica é uma construção intersubjetiva individual, mas socializada, de sentido sobre a experiência de tempo com vista à práxis. Deste modo, forma-se a consciência histórica que é a estrutura e o processo de aprendizagem.

Na perspetiva da “Escola Inglesa (Londres)” e de Peter Lee (2011) e Denis Shemilt (2011), a Educação histórica desenvolve a consciência histórica, situando-nos no mundo e encorajando-nos a pensar acerca das relações temporais, numa tradição metacognitiva pública e reflexiva. A aprendizagem histórica pensada como literacia histórica é concebida como uma reorientação cognitiva que permite ver o mundo historicamente de forma(s) cada vez mais complexa(s), partindo-se das ideias do quotidiano – individuais e culturais -, para ideias mais poderosas pela experiência de “fazer História”. Assim, a História e a sua aprendizagem contribuem para a vida prática dos estudantes, pois desenvolve o seu pensamento histórico de forma a avaliar a integridade de argumentos (ficcionais, políticos, jornalísticos) acerca do passado que poderão de ter de enfrentar ao longo da vida; dispor de ferramentas que lhes permita atualizar o seu conhecimento e interpretação acerca do passado depois de deixarem a escola; saber como usar e não usar o conhecimento histórico para propósitos e situações que o professor só pode imaginar; derivar novos significados e desenhar novas implicações do passado, assim como fazer sentido, avaliar significado e implicações – adaptabilidade a situações e desafios ainda não conhecidos. Assim, os estudantes têm de compreender que estão numa jornada, que a História e a Educação histórica à semelhança da liberdade de expressão, precária e que não há um destino garantido (Lee, 2011).

De igual modo, mais centrada na transformação espacial ao longo do tempo, a Educação Geográfica e a Geografia caminham a par e passo com as mudanças, por vezes imprevisíveis, que ocorrem nos espaços físicos e humanizados.

O quadro de transformação socioeconómico da Europa e do Mundo terá determinado a recentragem da importância da Geografia e do seu ensino no desenvolvimento de capacidades de leitura e explicação espacial, ancorada na mudança dos processos de interação territorial que se operam nas diversas escalas geográficas. Talvez, por essa razão, nos diversos níveis de escolaridade, se tenha optado, nas Aprendizagens Essenciais2 (AE) do 3º ciclo do ensino básico, por uma definição global que destaca o “pensamento espacial”, sendo que, para o primeiro caso, o foco das aprendizagens centram-se nos “conceitos” e nos “processos explicativos” dos “fenómenos geográficos” assumidos “numa visão multiescalar” (DGE, 2018). Esta ideia de Geografia faz-nos recordar Lacoste (1988) que, na década de 1970, lutava contra a ideia de uma Geografia como disciplina ‘simplória e enfadonha’ “…cuja função seria a de fornecer elementos de uma descrição do mundo, numa certa conceção “desinteressada” da cultura dita geral…”. Na verdade, ainda hoje há uma certa tendência, de senso comum, para encarar a Geografia como uma ciência meramente descritiva e não como uma ciência que deve servir, acima de tudo e em qualquer escalão etário, para “… pensar o espaço para que ali se possa agir mais eficazmente“(Lacoste, 1988: 9) – propósito que, como veremos, se pretende alcançar, apenas, a partir do ensino secundário. De facto, no ensino secundário (AE, 2018 10º e 11º ano) avança-se para níveis de “conhecimento do território” através da “representação de informação sobre factos e processos numa base espacial, promovendo uma visão multiescalar e interescalar.” (DGE, 2018). Ainda no ensino secundário, as AE do 12º ano propõem-se aprofundar estes desígnios reforçando o papel da Geografia no desenvolvimento dos indivíduos para a vida em sociedade “…que valoriza a democracia e maximiza a liberdade individual, procurando capacitá-los para a tomada de decisões adequadas aos problemas que a sociedade enfrenta e que têm quase sempre uma relevante dimensão espacial.” (DEGE, 2018: 1).

Mesmo assim, apesar de ser reconhecida a sua importância por vários autores e organismos, tudo indica que, na prática, os conteúdos de Geografia do ensino básico e secundário, ainda remetem muito para a descrição em detrimento da explicação e/ou interpretação e/ou avaliação dos processos espaciais, submetidos à imposição de conteúdos arrumados em ‘gavetas’ que não favorecem a sua articulação, prejudicados, ainda, por uma postura de ensino tradicional que, por inércia ou por falta de metodologias e instrumentos, raramente explora de forma adequada as potencialidades das ferramentas mais utilizadas na comunicação pelos estudantes no seu quotidiano (Cachinho, 2004).

Também ao nível da História, as constantes mudanças operadas a nível global no mundo, as disparidades e os contrastes entre países, com realidades históricas diversas que podem promover antagonismos, conflitos com repercussões a uma escala mundial, passa muitas vezes pelo reivindicar do passado posições e ações no presente, culminando nos crescentes movimentos nacionalistas e populistas. Esta complexidade da realidade histórica, que interliga passado e presente e cenários de futuro, está na base dos fundamentos defendidos por Rüsen (1993; 2001) da consciência histórica, numa perspetiva de humanismo intercultural. Para o autor a consciência histórica é a capacidade de orientação temporal do indivíduo no seu tempo, tendo sempre como referência o passado, presente e futuro. Para Rüsen (2001) “a consciência histórica não é algo que os Homens podem ter ou não - ela é algo universalmente humano, dada necessariamente junto da intencionalidade da vida prática dos Homens” (p. 78). Considera-a universalmente humana porque está intimamente relacionada com a vida prática do ser humano, pois o ser humano age com intencionalidade no mundo se tiver a capacidade de o interpretar, visto que agir é um processo em que o passado é constantemente interpretado à luz do presente e projetado no futuro. Neste sentido, a consciência histórica tem duas funções essenciais: a orientação temporal e a criação de identidade histórica. A consciência histórica forma-se, assim, através da interpretação da experiência humana no tempo, que advém da interrogação e questionamento dos vestígios, atribuindo-lhe sentidos/orientações para o futuro (Rüsen, 2019).

Esta capacidade de interpretar o passado, como um processo de reconstrução desenvolvido por historiadores para interpretar os acontecimentos do passado, é designado por alguns autores como pensamento histórico (Seixas; Morton, 2013). Para desenvolver o pensamento histórico é necessário, portanto, a aquisição de operações cognitivas próprias da metodologia da ciência e conceitos metahistóricos ou conceitos de 2.ª ordem articulados com os conceitos substantivos da história, para que possa haver uma compreensão histórica sobre o passado. Neste sentido, e em linha com a investigação em Educação Histórica há uma recentragem da importância da Histórica e do seu ensino no desenvolvimento de capacidades que promovam o pensamento histórico e a formação de uma consciência histórica. Talvez, por essa razão, para o caso do ensino da História nos diversos níveis de escolaridade, se tenha optado por uma definição global em que se destaca o “pensamento histórico”, que interliga os “conceitos históricos” (substantivos) aos “processos procedimentais, metodológicos, ou metahistóricos” dos “fenómenos históricos” que permita compreender “as etapas fundamentais do desenvolvimento da humanidade” desde a pré-história à atualidade. As Aprendizagens Essenciais (AE, 2018) expressam esta determinação do ensino da História ao pretender que aluno adquira uma “consciência histórica que lhe permita assumir uma posição crítica e participativa na sociedade, reconhecendo a utilidade da História para compreender de forma integrada o mundo em que vive e para a construção da sua identidade individual e coletiva” (AE, 7.º, 8.º, 9.º ano pp. 2-3). Nas AE, revistas a 4 de fevereiro de 2022, destacam-se os conceitos metahistóricos que dão corpo aos designados Domínios da disciplina de História: Interpretação de fontes históricas diversas para a construção da evidência histórica; Compreensão contextualizada das realidades históricas; Comunicação em História: narrativa histórica. (AE, p.5).

Estas demandas curriculares vão ao encontro das propostas no campo da Educação histórica para um cenário curricular designado por Shemilt (2011) de “Educação Social”, em oposição a outros dois cenários educativos, que o mesmo autor designa de “Cavalo de Tróia” e “Engenharia Social”. Assim, em vez de se pensar a História como um veículo para a transferência de capacidades e conhecimentos através de desafios pedagógicos reduzidos em que se veiculam os direitos e deveres da cidadania, nem como uma forma de aprender lições específicas do passado nem moldar atitudes e comportamentos no presente assentes numa identidade nacional (Gago; Ribeiro, 2022), propõe-se que na disciplina de História: exista uma agência individual, devidamente orientada pelo professor, acerca do que aprender e como aprender (ou não aprender) a partir do passado; se providencie um conhecimento e ferramentas que permitam a construção de um powerful knowledge (Young, 2008; Chapman, 2021); exista uma conexão do passado com o presente e a construção de horizontes de expectativa; se promova a distinção entre formas legítimas e ilegítimas de construir conhecimento e agir.

Ao nível do ensino superior os desígnios da Educação geográfica e histórica indicam o aprofundamento de conhecimentos e saberes.

Em Geografia, procura-se avançar para lá do conhecimento e compreensão, para “aplicar metodologias de análise, diagnóstico e intervenção sobre o território” numa lógica de “transversalidade do conhecimento” para que os Licenciados possam enfrentar de forma criativa e adaptativa as “rápidas transformações da atualidade” pautadas pelo imperativo “trabalho em grupo e o relacionamento intercultural e interpessoal” (FLUP, 2022a). Já na formação de professores de Geografia, para além da formação educacional geral e das didáticas específicas, investe-se em atividades “de investigação, de inovação e de exercício de competências profissionais”, entre elas, dedicando 24ECTS ao aprofundamento de saberes exigidos nos ensinos básico e secundário. A “capacidade de compreensão e resolução de problemas em situações novas ou em contextos multidisciplinares” é a base de preparação para poderem agir perante “questões complexas”, num quadro de “aprendizagem autónoma ao longo da vida” (FLUP, 2022b).

Ainda no âmbito do ensino superior, mas no caso da História, para além do conhecimento e da compreensão da História da Humanidade e da História Nacional, desde a Pré-História à Idade Contemporânea, ao longo dos 3 anos da licenciatura de História, procura-se dotar os alunos de competências específicas no âmbito da História, no sentido de “interpretar os processos de mudança e continuidade”, “relacionar causas e consequências dos fenómenos históricos”, “proceder a explicações e interpretações”, “contextualizar” ações, fenómenos, acontecimentos, discursos, etc., em função da época ou fases históricas estudadas, bem como levá-los a adotar procedimentos do “ofício” do historiador , “realizar pesquisas” individual ou em grupo, a nível bibliográfico e em arquivos, em função dos objetivos da pesquisa e da problemática de estudo, “contactar e questionar fontes de diversos tipos”, desenvolver “atitudes de problematização” e de “crítica às fontes”, saber defender pontos de vista e multiperspetivas, mediante a problematização das fontes e o “levantar hipóteses” perante os resultados obtidos e saber construir narrativas históricas ao “desenvolver formas eficazes de apresentação oral e escrita da pesquisa efetuada” (ICS-UM2022b).

Já na formação de professores de História, para além da formação educacional geral (20 ECTS) e das didáticas específicas (30 ECTS), investe-se em atividades que visam “formar professores de História que sejam profissionais informados, críticos e atuantes, capazes de reconstruir o seu pensamento e ação ao longo da vida”, promovem-se e fomentam-se “metodologias orientadas pelos princípios da reflexividade, auto-direção, criatividade e inovação”, e reforça-se a componente investigativa e aprofundamento do conhecimento histórico através de UC da área específica da História (20 ECTS), nomeadamente Teoria da História e do Conhecimento Histórico, Cidade e Centro Histórico, Temas de História I e Temas de História II, com temáticas relacionadas com a História Cultural, Social e da Vida Quotidiana, dotando os futuros professores de conhecimentos e competências históricas e didáticas para agirem como profissionais competentes no ensino básico e secundário (IE-UM, 2022b).

Assim sendo, pese embora as diversas mudanças ocorridas no sistema de ensino português, nomeadamente as mais recentes indicadas pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, criada em 1993 (Delors, 1996), que deu origem ao Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória (Martins et al., 2017) e às Aprendizagens Essenciais (DGE, 2018), quando um indivíduo escolhe realizar o primeiro ciclo do ensino superior (licenciatura) em Geografia ou em História, deverá ter alguma sensibilidade, senão saberes mais avançados, nestas áreas científicas. Ou seja, admitimos que os estudantes constituem um grupo privilegiado para testar uma metodologia simples de observação através do cruzamento entre as Aprendizagens Essenciais com os “conceitos geográficos” e os “conceitos históricos” construídos até ao final da escolaridade obrigatória (para o caso em observação, basearemos a recolha de dados, apenas nos dois últimos níveis: o 3º ciclo do ensino básico e o secundário) e com os referenciais internacionais expressos na Carta Internacional de Educação Geográfica – CIEG (2016) e na History Educators International Research Network -HEIRNET (2022). A partir daqui, entramos no ensino superior para prosseguir com idêntico exercício ao nível da Licenciatura e Mestrado em Ensino de formação de professores em ambas as áreas científicas.

A reflexão resultante deste ensaio metodológico, constitui um passo fundamental quer para a reflexão em torno dos temas do pensamento geográfico e histórico, quer para a promoção da mudança de práticas e decisões educativas em termos curriculares e de tarefas, no sentido de uma maior aproximação e adequação às exigências de hoje. Dito de outra forma, propomo-nos apresentar aqui um exercício metodológico que contribua para a avaliação do sucesso (assumido aqui como os conceitos retidos pelos estudantes) obtido com as aprendizagens essenciais/ conceitos essenciais da Unidades Curriculares, as quais se pressupõem terem sido adquiridas até ao final dos ciclos de estudos básico e secundário e 1º e2º ciclos do ensino superior, respetivamente.

2. Materiais e métodos

Partindo então do princípio de que no ensino básico e no ensino secundário, e nos 1º e 2º ciclo do ensino superior, os alunos adquiriram um conjunto de saberes “essenciais”, definidos nas AE e objetivos programáticos (DGE, 2018), fundamentais para a construção de um conceito de “Geografia” e “História” e da utilidade destas duas áreas científicas, trata-se então de observar se as mudanças nas orientações curriculares e nos referenciais internacionais têm, ou não, tradução no significado que os nossos estudantes atribuem a “Geografia” e “História”. Neste sentido, cruzámos a dominância de palavras associadas aos conceitos descritos (que se deseja alcançar com a aprendizagem) nas AE do 3º ciclo do ensino básico e secundário e o equivalente nos 1º e 2º ciclos de estudo universitários – os programas descritos em cada uma das Unidades Curriculares, com o conceito de Geografia e História expresso pelos estudantes, este último em questionamento feito diretamente, em Google Forms, de forma espontânea, em aula, através de duas perguntas: “ Geografia/História é…”, pedindo-lhes para assinalarem três palavras, e “Para que serve a Geografia/História”, aqui em resposta livre.

A amostra é constituída por estudantes em fim de ciclo de estudo, ou seja, centrou-se na aplicação do questionário aos alunos ٩º ano (٣º ciclo do ensino básico), ١٢º ano (ensino secundário), ٣º ano (١º ciclo do ensino superior) e ٢º ano (٢º ciclo do ensino superior). Os conceitos curriculares de referência utilizados na comparação com a resposta dos inquéritos foram obtidos a partir de cada um dos referenciais, ou seja, para os dois últimos ciclos do ensino obrigatório reunimos os conceitos descritos em dois blocos – o dos ٧º, ٨º e ٩º anos (Básico) e os 10º, 11º e 12º anos (Secundário). Para o ensino superior, tomámos como base os itens programáticos das unidades curriculares optativas, por serem oferecidas nos dois últimos anos do curso focadas numa lógica de consolidação e espacialização oferecidas, e para o mestrado em ensino, de formação de professores, centrámo-nos nos conteúdos programáticos das unidades curriculares de formação na área disciplinar, uma vez que, as restantes remetem para a didática e formação educacional geral. Finalmente, o referencial internacional centrou-se, para o caso da Geografia, nas linhas orientadoras da Carta Internacional de Educação – CIEG (2016) e, para a História , na History Educators International Research Network -HEIRNET (2022).

Para este estudo quantitativo-descritivo contamos com três centenas de participantes selecionados através da técnica de amostragem estratificada, a saber: estudantes em estágio profissional de Geografia e de História, de licenciatura, do 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário (Tabela 1). Definiu-se 50 como o limite de respostas para cada um dos níveis pré-universitários e 25 para os do ensino superior, uma vez que, neste último caso, apenas foram feitos levantamentos em duas instituições – Universidades do Minho e do Porto -, com uma dimensão de turmas que não permitiria alcançar a meia centena em cada uma das instituições.

Tabela 1. Distribuição da amostra dos inquéritos feitos aos alunos dos ensinos básico,

secundário e superior

Ensino

Nível

Geografia

História

Geografia (%)

História (%)

Obrigatório

3ºcilo - Básico

50

50

33,3

33,3

Secundário

50

50

33,3

33,3

Superior

Licenciatura

25

25

16,7

16,7

Mestrado (ensino)

25

25

16,7

16,7

Total

150

150

100,0

100.0

Fonte: elaboração própria.

O passo seguinte consistiu no tratamento desta informação através da quantificação e consequente ordenação hierárquica das palavras pelos estudantes. Para tal utilizamos a aplicação online Wordclouds3 por ser aquela que se revelou mais explícita e versátil, quer na inserção do texto, quer na obtenção da base de dados que quantifica as palavras utilizadas em cada um dos casos. Trata-se de uma aplicação que permite obter uma imagem gráfica das palavras de um dado texto tendo em conta o número de vezes que são referidas - “…Wordclouds, also called tag clouds or a weighted list, are a visual depiction of the frequency tabulation of the words in any selected written material, such as lecture notes, a textbook chapter or an internet site. Font size is used to indicate frequency, so the larger the font size, the more frequently a word is used (Miley e Read, 2011: 92).

Dito de outra forma, o resultado destaca o que é mais e menos relevante ao possibilitar a quantificação e visualização simplificada da repetição, assumindo aqui que tal significa a expressão do conceito revelada pela maioria.

O tratamento dos dados foi realizado em Excel, após a exportação do ficheiro “cvs” do Wordclouds, através da comparação quantitativa do número de palavras mais referidas, comparação esta feita entre as palavras enunciadas pelos estudantes, em cada nível de ensino, e aquelas que sobressaem nos documentos onde se descreve o que devem saber/aprender - conceitos das AE e das Unidades Curriculares. Neste tratamento, além de palavras e símbolos de ligação que a aplicação anula imediatamente antes da sua representação, excluímos também todos os verbos que remetiam para comportamentos, atitudes ou aprendizagens, como compreender, entender, explicar, analisar, entre outras, para permitir destacar os conceitos mais diretamente ligados à Geografia e à História.

Tabela 2. Distribuição da variabilidade de palavras identificadas na base de dados (%)

Ciclos de estudos

(A) Referencial de conceitos

(B) “Geo/Hist é…”

(C) “Geo/Hist serve…”

Total

Geografia

História

Geografia

História

Geografia

História

1. Básico

24,5

3,5

4,1

1,6

4,5

3,4

29,9

2. Secundário

22,5

4,6

3,2

2,0

4,9

4,3

29,9

3. Licenciatura

19,5

7,8

2,2

1,1

4,4

2,3

26,8

4. Mestrado

5,6

4,2

2,5

1,0

2,2

3,1

13,4

Total

72,0

20,1

12,0

5,8

16,0

13,1

100,0

Fonte: elaboração própria.

A base de dados é composta por um total de 2023 palavras, sendo 1455 de Geografia e 568 de História. A distribuição da amostra (Tabela 2) é, na generalidade, concordante com o determinado inicialmente como limites da recolha (Tabela1).

Tabela 3. Cruzamento das categorias de dados

Grupos

Palavras repetidas

Básico

Secundário

Licenciatura

Mestrado

(A) Referencial de conceitos

4=Máximo

1+1+1+1

3=Médio

1+1+1

2=Mínimo

1+1

(B) “Geo/Hist é…”

4=Máximo

1+1+1+1

3=Médio

1+1+1

2=Mínimo

1+1

(C) “Geo/Hist serve…”

4=Máximo

1+1+1+1

3=Médio

1+1+1

2=Mínimo

1+1

Fonte: elaboração própria.

De facto, embora a diversidade de palavras seja maior para o caso da Geografia, tal não compromete a análise, uma vez que, apenas, se suportará nas mais referidas para qualquer dos casos.

Finalmente, partimos da organização da base de dados em três grupos: (A) referencial de conceitos, (B) “Geo/Hist é…” e (C) “Geo/Hist serve…”- contando, apenas, as 20 palavras com maiores valores para cada um dos ciclos de ensino (básico, secundário, licenciatura e mestrado), tendo o cuidado de não excluir as que apresentavam o mesmo valor na linha de corte.

De seguida, para cada um dos grupos A, B e C, selecionamos as palavras (no limite de 10 para cada ciclo de estudos) que se repetem no conjunto daquelas 20, chegando a uma síntese que cruza toda a informação (Tabela 3).

Esta síntese constitui, para cada caso, a base de comparação com os conceitos orientadores das aprendizagens e com os princípios definidos na CIEG (2016), para a Geografia, e com os referenciais da educação histórica identificados em HEIRNET (2022).

3. Discussão dos resultados

Tendo por base os objetivos deste ensaio, a apresentação dos resultados passa, em primeiro lugar (3.1), pela leitura cruzada entre o que é proposto nos referenciais de formação, o conceito e a utilidade (re)conhecidos pelos alunos. Depois (3.2), iremos verificar, através da repetição, por ciclo de estudos, dos registos de palavras mais elevados (superiores a 20 – como descrito atrás), até que ponto a nossa formação nos ensinos básico, secundário e superior convergem com as recentes abordagens e preocupações internacionais em cada uma das áreas científicas.

3.1 A formação e o (re)conhecimento dos conceitos e utilidade da Geografia e História

Os conceitos principais que sobressaem das AE de Geografia são os de cidade/urbano e desenvolvimento, com as questões da agricultura, clima, água e energia a juntar-se à ênfase colocada nas orientações curriculares (Tabela 4). De facto, a enorme lista de conceitos que os alunos devem adquirir no ensino básico e secundário, dificulta a identificação de outras palavras relevantes. Porém, quanto se trata de definir o que é a Geografia, estes alunos tendem a concentrar-se na ideia de uma área disciplinar que tem como objeto de estudo o Mundo, a Terra, os países e os climas remetendo, um pouco, para a ideia de uma área do saber enciclopédica. Em consequência, consideram que a sua utilidade se centra nesses domínios, mas os alunos do ensino secundário já acrescentam a sua importância para a explicação da vida em sociedade, indiciando as bases que se irão consolidar nos ciclos de estudos seguintes.

Em qualquer das respostas dadas pelos alunos, cabe sublinhar a escassíssima correspondência entre as palavras mais referidas, que se repetem, não raras vezes, entre o conceito que têm da disciplina e para o que serve, e aquelas que constam nas AE – facto que se pode atribuir à enorme dispersão de conceitos base lecionados nestes dois ciclos de estudos, em particular no 3º do ensino básico. Curiosamente, apesar de não figurar entre os conceitos mais repetidos nas AE do ensino secundário, a definição de Geografia e a sua “utilidade” fazem emergir nas palavras dos alunos a natureza, a cultura, a sociedade e os problemas associados, indiciando o desenvolvimento de alguma forma de pensamento crítico sobre o Mundo em que vivem – tendência que, como veremos de seguida, não é tão evidente para a História.

Tabela 4. Conceitos referidos nas AE e pelos alunos do ensino básico e secundário-Geografia

Geografia

3ºciclo*

Secundário**

“Geografia é…”

“Geografia serve…”

Aprendizagens Essenciais

(7º, 8º e 9º ano do Ensino Básico* e 10º, 11º e 12º ano do Ensino Secundário**)

Fonte: elaboração própria.

De facto, os conceitos principais que sobressaem das AE de História são os de “fontes”, como essenciais para a interpretação e construção da História, “cultura/humanas/humanos”, no sentido do estudo da humanidade e da interação entre povos e culturas, assim como “diversidade”, “realidade” e “valores”, quer a nível “local”, “regional”, nacional ou mundial. Destaca-se a relevância da História para conhecer e respeitar povos e culturas de diferentes épocas e locais. Neste âmbito, surgem conceitos que estão associados à cidadania e aos valores defendidos pela Carta do Conselho da Europa sobre a Educação para a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos, como “igualdade”, “equidade”, “direitos”, “justiça”, “éticos” e “consciência”. Embora com menor relevância surgem conceitos relacionados com a dimensão epistemológica da História, como “narrativa”, “construção” e “processo”, alusão à História como resultado de uma narrativa histórica, ou à temporalidade e espacialidade, com conceitos como “época”, “século”, “milénio”, “espaço”, “localizar” ou até mesmo a dimensão do tempo e do espaço materializada no conceito de “património”, quer material ou imaterial (Tabela 5). Também nas AE de História se observa uma grande diversidade de conceitos, mas com maior enfoque de alguns, quando comparado com a enorme quantidade de conceitos que surgem a adquirir em Geografia definidos nas AE. Por sua vez, os alunos expressam uma ideia de História como área disciplinar que tem como objeto de estudo o “passado”, os “antepassados”, valorizando os acontecimentos e associando a história à cultura, a um conhecimento também aqui enciclopedista, expressando por isso uma visão de História tradicional, como a ciência que estuda o passado humano. Esta mesma visão é partilhada pelos alunos do ensino secundário, no entanto, sobressaí ainda nestes o conceito de “memória”, e já integram, não apenas o passado, mas também o “futuro”. Quanto à sua utilidade, mantém-se estes mesmos domínios, de conhecer e descobrir o “passado”, “antepassados”, “antiguidade”, bem como a dimensão da “cultura” associada à História. Ambos os alunos realçam que a História pode evitar cometer “erros” do passado, associada a uma visão exemplar da História (Rüsen, 2001, 2015). A dimensão crítica da História (Rüsen, 2001, 2015) e da sua relevância para a formação de consciência histórica, ainda é expressa de forma rudimentar, através dos conceitos de “futuro” e “consciência”, que se irão consolidar nos ciclos de estudos seguintes como poderemos constatar.

Tabela 5. Conceitos referidos nas AE e pelos alunos do ensino básico e secundário-História

História

3ºciclo*

Secundário**

“História é…”

“História serve…”

Aprendizagens Essenciais

(7º, 8º e 9º ano do Ensino Básico* e 10º, 11º e 12º ano do Ensino Secundário**)

Fonte: elaboração própria.

Em relação à História, pelo contrário, denota-se uma certa correspondência entre as respostas dos alunos, na articulação entre o que é a História e para que serve, com conceitos que se repetem entre os dois ciclos de ensino, embora com alguns contrastes no ensino secundário, pela inclusão de outros conceitos dispares como os de “memória” ou “erros”, contrastando com a diversidade de conceitos expressos nas AE, resultado da dispersão dos conceitos base lecionados nestes dois ciclos de estudos, sobressaindo no ensino secundário o conceito de “humanidade”, associado à ideia de humanismo intercultural, integrando outros conceitos a este associado como o de “diversidade”, “culturas” e “mundial”.

No ensino superior (Tabela 6), as questões urbanas, o desenvolvimento, o ordenamento e o território, entre outras, assumem posições cimeiras, revelando as diretrizes dos planos de estudo da Geografia da Universidade do Porto que, como se sabe, traduz, em boa parte, os domínios de investigação dos seus docentes. De facto, trata-se de conceitos âncora para a formação académica em diversos domínios mais especializados, sejam de cariz de Geografia Humana ou Física. Até mesmo o termo território, pode ser assumido em âmbitos holísticos que incluem essas duas vertentes, ou até outras mais afetivas ligadas a sentimentos de pertença ou mais estratégicas.

Tabela 6. Conceitos referidos nos programas das UC e pelos estudantes do ensino superior-Gerografia

Geografia

Licenciatura*

Mestrado em Ensino**

“Geografia é…”

“Geografia serve…”

Conteúdos programáticos do Ensino Superior

(opções do 2º e 3º ano da Licenciatura* e Formação específica do Mestrado**)

Fonte: elaboração própria.

Porém, quando questionados sobre o significado e utilidade da Geografia, os estudantes do ensino superior destacam o Mundo, a Terra e questões relacionadas com população/sociedade, mas agora tendo por base a consciência de um espaço dotado de elevada diversidade e em mudança constante. No entanto, na generalidade das respostas não se verifica convergência com os conceitos mais marcantes dos programas das UC. Mantêm a terra em posições cimeiras na definição de Geografia e o clima perde o seu lugar em relação ao ensino básico e secundário.

Mais uma vez, tal como no ensino básico e no secundário, no ensino superior parece não ocorrer uma concordância entre os conceitos e utilidade reconhecidos pelos estudantes e as palavras que se destacam dos conteúdos programáticos, mantendo-se essa perspetiva sobre a ação do Homem sobre um Mundo dotado de diversidade e em constante mudança, no qual e ambiente e a natureza constituem foco de preocupação.

Se considerarmos que as UC de formação na área da docência do Mestrado em Ensino de Geografia se centram em conteúdos que os futuros professores irão lecionar nos ensinos básico e secundário, tal pode significar que esses conteúdos programáticos servem, essencialmente, para consolidar os conceitos adquiridos em ciclos de estudo anteriores.

Relativamente à História, no ensino superior (Tabela 7), os conteúdos programáticos das UC da Licenciatura relacionam-se com a História Contemporânea, e conceitos específicos deste período histórico, como liberalismo, república, com forte incidência na História política, mas também económica, bem como no trabalho com fontes, isto para o 3.º ano. Já no âmbito do Mestrado em Ensino de História há uma valorização nos conteúdos programáticos da História Social e das Culturas, prevalecendo os conceitos de “cultura”, “cidade/urbano,” “centro(s)” em articulação com o património cultural e com a história da mentalidade e da vida quotidiana, pela especificidade dos vários temas trabalhados nas UC.

Tabela 7. Conceitos referidos nos programas das UC e pelos estudantes do ensino superior–História

História

Licenciatura*

Mestrado em Ensino*

“História é…”

“História serve…”

Conteúdos programáticos do Ensino Superior

(opções do 2º e 3º ano da Licenciatura* e Formação específica do Mestrado**)

Fonte: elaboração própria.

Quanto ao significado e utilidade da História, os conceitos de “memória”, “passado”, “futuro”, entre outros, assumem posições cimeiras no que diz respeito ao que é História, aproximando-se estes das ideias expressas pelos alunos do ensino secundário, substituindo cultura por legado. Curiosamente nos alunos de mestrado é valorizada mais a “memória” em detrimento do conceito de “passado”. No entanto, na generalidade das respostas não se observa convergência com os conceitos mais marcantes dos programas das UC, dada a espeficidade de temáticas de história organizadas por ordem cronológica, incidindo no 3.º ano na Hitória Contemporânea. Em termos de função da História, mantém-se a relevância do “passado”, associado ao estudo do passado humano, à sua construção pelos historiadores, tal como expressam os alunos do ensino secundário e do ensino básico, apresentando os alunos de mestrado um novo conceito, que atinge níveis relevantes, o de “consciência”, revelador da formação académica no mestrado ao nível da metodologiade ensino de História, em linha com as propostas da Educação Histórica e sua articulação com a área de formação específica. Denota-se uma assunção holística do conceito de “consciência”, podendo ser relacionada com a função da História contribuir para desenvolver a consciência histórica essencial para a orientação temporal e a construção de identidade histórica (Rüsen, 2016a). A História é importante para compreender a realidade humana, não só do passado, mas dar sentido ao presente e projetar cenários futuros.

3.2 Percursos de (des)adequação face às prioridades de formação internacionais

As orientações da educação geográfica internacionais remetem para necessidades de formação que visam os problemas atuais de um mundo urbanizado marcado pela dinâmica imposta pela globalização e por problemas de desenvolvimento humano e económico, nos quais as forças das diferenças sociais e políticas se debatem, perseguindo a tão desejada sustentabilidade e paz (CIEG, 2016). Na History Educators International Research Network (2022) o ensino e a aprendizagem da história devem ser construídos em torno das estruturas disciplinares académicas da História que envolvem conceitos substantivos inerentes ao conhecimento e conceitos estruturais ou metahistóricos, como o de causalidade, de tempo, evidência histórica, multiperspetiva histórica, narrativa histórica, explicação histórica e empatia histórica, entre outros.

Tais estruturas sustentam o conhecimento processual de “fazer história” por meio dos processos envolvidos através do questionamento e interpretação das fontes, e a construção do conhecimento histórico baseado na interpretação e construção de evidência histórica através da narrativa histórica, naturalmente descritiva e explicativa. Remete-se assim para a necessidade de formação que visa desenvolver a consciência histórica e a compreensão das diferentes culturas e sua importância, reconhecendo a sua cultura, comunidades e sociedade como parte de um continuum do passado ao presente e parte integrante de uma comunidade global que é preciso respeitar em termos de humanidade, garantido diretos e liberdades dos vários povos. Procura-se fomentar nos alunos, no âmbito da educação histórica, que o saber e a compreensão histórica os capacite a influenciar o futuro (HEIRNET, 2022).

O Conselho da Europa em linha com as propostas da HEIRNET aponta para a necessidade de um processo educativo baseado “on humanistic ideas and reflected in the concept of Bildung: the lifelong process enabling people to make independent choices for their own lives, to recognise others as equals and to interact with them in meaningful ways” (Conselho da Europa, 2018: 15).

Desta forma defende-se a agência individual de cada estudante/pessoa que é responsável pela sua própria aprendizagem e que devem desenvolver, devidamente suportados e orientados pelos professores, o seu próprio pensamento independente. Nesta linha é ainda destacado pelo Conselho da Europa (2018) que o pensamento crítico, independente é desenvolvido se houver o encorajamento e se forem promovidas oportunidades de lidar com diferentes interpretações – multiperspetiva.

As demandas do Conselho da Europa (2018) consideram, em linha com Young (2008), Chapman (2021) e Kitson (2021), que é urgente promover um powerful knowledge e combater a lógica “de prestação de contas” operacionalizada na definição de metas fixas e gerais, em que existe uma tendência de privilegiar o processo de aprendizagem numa lógica de “learnificação” sem existir a devida contextualização à metodologia e aos princípios que sustentam cada ciência. Assim, admite que é necessário acabar com as tentativas de aplicação, de formas de aprender e ensinar inspiradas na teoria de Bloom (original e/ou revista), referindo que “This is not about powerful knowledge; it is a model which assumes that there is a body of knowledge on the one hand and a collection of generic thinking skills on the other which are equally applicable in history and in English, in physics and in geography.” (Kitson, 2021: 35). Já Wineburg e Schneider (2010) consideravam que esta taxonomia, no caso da História, estará a apontar para a direção errada, pois ao colocar-se o conhecimento na base da pirâmide, assume-se a História como já conhecida e que o pensamento crítico envolve, apenas, reunir factos conhecidos para proceder a juízos. O pensamento histórico, desenvolvido em História, significa revelar o “invisível”, o que se desconhece, ou seja, colocar questões às fontes, construir e cruzar evidência, juntar as várias peças acerca do que ainda não se sabe e construir narrativamente uma explicação histórica. Aprender e ensinar a pensar historicamente é mais do que saber factos é antes ensinar/orientar no processo de reconstrução do passado com base em fragmentos incompletos. A pirâmide de Bloom “inverts the process of historical thinking and distorts why we study history in the first place. New knowledge, the prize of intellectual activity, gets locked in the basement.” (Wineburg; Schneider, 2010: 61).

Assim, parece existir alguma convergência entre as demandas do Conselho da Europa e a Educação Geográfica e a Educação Histórica considerando-se que é de extrema importância, questionar de forma plural, respeitando e tratando com dignidade os “outros”. Aponta-se ainda que a valorização dos direitos dos “outros” é melhor compreendida através da imersão em contextos diversificados culturalmente (noutros tempos e noutras escalas).

As disciplinas de Geografia e História têm de ser alicerçadas na metodologia da própria ciência em que os estudantes “têm de fazer” História e/ou Geografia, questionando de forma diversa as várias fontes e contextos espaciais, construindo evidências histórica e geográfica diferenciadas, atendendo às questões colocadas e dando sentido às realidades em estudo (passado, presente e cenários futuros) através da leitura e narrativa explicativa da mudança, é o caminho a percorrer para promover uma aprendizagem intercultural e em linha com os atuais e futuros desafios.

Assim, segundo o critério de síntese definido na metodologia, para o caso da Geografia, as palavras que mereceram mais repetições estão representadas nas Figuras 1 (Geografia) e 2 (História). Os valores retratados na legenda (Máximo (4), Médio (3) e Mínimo (2)) representam, portanto, para cada um dos conteúdos das 3 bases de dados (conceitos de referência curricular, “Geografia/História é…” e “Geografia/História serve…”), o número de vezes que o conceito ocupa as posições cimeiras da hierarquia de 20 palavras extraídas dos 4 ciclos de estudo – básico, secundário, licenciatura e mestrado (MEG e MEH).

Figura 1. Total de palavras mais repetidas nos conceitos de referência e nas respostas aos inquéritos pelos alunos - Geografia

Fonte: elaboração própria.

Começando pela Geografia, é muito interessante notar que a única palavra que se repete nos 4 ciclos de estudo, quer para o referencial curricular, quer para a definição e utilidade da Geografia entendidas pelos estudantes, é a “natureza”, porque remete, não só, para conceções do meio natural associadas à ideia de preservação, mas também para a ideia de algo que configura a base da vida humana.

Na mesma linha, numa perspetiva holista de visão do objeto e objetivos de estudo inerentes à disciplina, e ainda que figurando em apenas 3 dos referenciais de formação, os conceitos de “desenvolvimento” e “território” merecem igual posicionamento no entendimento dos alunos.

Curiosamente, embora as questões relacionadas com a “cidade/urbano”, ou até, entre outros, com a “agricultura”, constituam um desígnio primordial de formação no referencial da maioria dos ciclos de estudo, elas não são reconhecidas pelos alunos como definidoras do conceito e utilidade da Geografia!

Estas ideias vêm confirmar que a minúcia de conceitos que se deseja que os nossos alunos apreendam, parece resultar na consolidação da definição da Geografia como uma ciência que se preocupa com as dinâmicas de “população/humanidade” e, entre outras, do “clima/ambiente” que se operam na “terra”. Assim se entende que a sua utilidade reúna perspetivas mais holísticas que sugerem a interação e “problemas” da “vida/humana” à escala do “mundo”.

Em relação à História (Figura 2), as duas palavras que se repetem nos 4 ciclos de estudo, quer para a definição e utilidade da História, é “passado” e “cultura”. No entanto, o “passado” está ausente do referencial curricular, remetendo nos alunos dos diferentes ciclos e anos de formação para o objeto de estudo da disciplina, em que o estudo do passado humano sobressaí como foco principal desta área disciplinar. A segunda, “cultura”, pode remeter para uma conceção de História, mais tradicional, apontando para ideias de herança, memória, legado da humanidade, através do conhecimento desse passado das sociedades ao longo dos tempos. Também a palavra “cultura” pode estar conotada com o saber, com o conhecimento, muitas vezes associado a um saber enciclopédico. Mas, de forma mais sofisticada, pode apontar para ideias que compreendem que a História lida com diversos quadros culturais que podem dialogar entre si. Curiosamente, apenas nos referenciais curriculares a palavra “fonte” é mais citada, remete para questões da metodologia da História como ciência, da construção da História, que se processa através da pesquisa, análise, interpretação e crítica às fontes. Só através das fontes podemos aceder ao passado, e produzir a evidência histórica. Na mesma linha, numa perspetiva holística de visão do objeto e objetivos de estudo inerente à disciplina, presentes nos três referenciais de formação o conceito de “humanidade” merece igual posicionamento no referencial curricular e na definição do conceito pelos alunos, surgindo ainda com valor significativo o conceito de “humano”, quando questionados sobre a utilidade da História. Curiosamente, o conceito de “futuro” surge como primordial nos alunos de vários níveis de formação, como um desígnio também da História, para além do “passado” e “presente”, inerente à relevância da orientação temporal a ser promovida pela História. Em contrapartida, surgem esporadicamente conceitos temporais como “séculos”, ou conceitos específicos da História como “factos” e “acontecimentos”.

Constata-se que há uma maior perceção dos alunos sobre a utilidade da História, que se vai aprimorando ao longo da formação dos alunos, do que em relação ao objeto de estudo da História, ainda muito tradicional do que é a História. Estas ideias vêm confirmar, através dos conceitos mais evidenciados por estes, que a História como ciência tem como objeto de estudo o “passado”, “os antepassados” e os “factos” e “acontecimentos” mais importantes da “humanidade” ao longo dos tempos. Assim, se entende que a sua utilidade integra perspetivas mais holísticas que sugerem a interação entre o passado, presente e o futuro, promotoras de “consciência” histórica e de um “humanismo” intercultural.

Figura 2. Total de palavras mais repetidas nos conceitos de referência e nas respostas aos inquéritos pelos alunos – História

Fonte: elaboração própria.

Tabela 8. Conceitos referidos nos objetivos para a educação geográfica na CIEG (2016) e nas linhas orientadoras HEIRNET (2022)

CIEG (2016)

HEIRNET (2022)

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Fonte. Elaboração própria.

Os referenciais internacionais para as Educação Geográfica e Histórica (Tabela 8) parecem espelhar, em grande parte, a visão que os nossos estudantes têm sobre cada uma das disciplinas e não tanto os conceitos expressos nos referenciais de aprendizagem: na CIEG destaca-se um mundo em inter-relação e na HEIRNET a consciência sobre o passado da sociedade.

De facto, ao contrário das palavras que emergem dos referenciais de aprendizagem, a CIEG (2016) revela que o conceito que os estudantes vão adquirindo ao longo da sua formação nos ensinos básico, secundário e superior, sobre o que é e para que serve a Geografia, é mais concordante com as orientações internacionais ao colocar a interação, e a perspetiva multiescalar entre lugares, nações e Mundo em posições cimeiras das palavras mais referenciadas. O desenvolvimento, constitui uma exceção por ser referenciado nas AE do ensino secundário.

Relativamente às linhas orientadoras da HEIRNET (2022), surge como preponderante o conceito de “passado”, mas também o de “sociedade” e de “consciência”. Embora o conceito central continue a ser o de “passado”, tal como o referido anteriormente pelos alunos dos diferentes anos de formação, os conceitos de “presente” e de “futuro”, surgem articulados, na medida em que a História procura compreender a realidade presente e capacitar a influenciar o futuro, pelas ações do presente. Esta orientação surge bem presente no conceito de “consciência” histórica que é preciso desenvolver e promover nos alunos capacitando-os para a compreensão da orientação temporal e valores de identidade, que permita compreender a diversidade de “cultura(s)” e “diferentes sociedades”. Quanto aos procedimentos metodológicos da História, remete para as “estruturas”, entendidas como os conceitos essenciais em História, quer substantivos como metahistóricos, e em vez de fontes sobressaí o conceito de “evidência” produzidas a partir do questionamento às fontes, essencial para a “construção” do conhecimento histórico.

Figura 3. Total de palavras mais repetidas na CIEG (2016) na HEIRNET (2022), na síntese dos conceitos de referência e na das respostas aos inquéritos

Fonte: elaboração própria.

Passando agora à leitura síntese das palavras mais referenciadas nas 4 bases de dados (internacional – CIEG, 2016; HEIRNET, 2022 -, conceitos de referência, respostas dos alunos “Geo/Hist é…” e “Geo/Hist serve…”), expressa da Figura 3, é interessante notar-se, para o caso da História, a diversidade de conceitos identificados: as duas palavras mais referidas são “cultura” e “construção”, sendo que a cultura tem um peso relevante na “construção” sobre o conhecimento do “passado” e da “humanidade” a par do “futuro. Nesta mesma linha Rüsen (2016b) problematiza e reflete sobre o conceito de cultura histórica, como uma nova maneira de abordar a História. Curiosamente num patamar inferior surge um conjunto de conceitos bem diversos, associados à temporalidade, como a referência ao “presente”, ou específicos da história como “acontecimentos” ou “memória”, bem como “consciência”, entendida como consciência histórica, a ser promovida e desenvolvida pela educação histórica. Já para Geografia, a natureza e a humanidade (esta última também de grande importância para a História), destacam-se, deixando como suporte, com referências de nível médio (3) e mínimo (2) conceitos que remetem para o objeto de estudo da Geografia, ou seja, o estudo da diversidade e transformação (desenvolvimento) da vida humana em múltiplas escalas (mundo e países), destacando a natureza e o ambiente, mais associadas com o combate das ameaças ao planeta Terra.

4. Considerações finais

No quadro de um Mundo profundamente incerto e em rápida mudança geracional, responsáveis pela formação de professores de Geografia e História do NW de Portugal (Universidade do Minho e do Porto), propuseram-se refletir neste estudo sobre a evolução das perspetivas e conceitos de Geografia e História apresentados pelos estudantes entre os níveis de ensino básico e o superior. De facto, apesar dos avanços técnicos e tecnológicos que abrem novas e diversificadas possibilidades de interação, de ensino e aprendizagem dentro e fora das salas de aula, é relevante compreender como é que os jovens, em diferentes estádios de formação, pensam acerca destas duas áreas científicas/disciplinares, de forma a podermos tomar decisões alicerçadas em investigação empírica para se tentarem construir as melhores respostas educativas que correspondam às necessidades atuais dos estudantes. A análise aqui realizada foi, apenas, de foro quantitativo-descritivo, sendo que a análise das ideias expressas na justificação das escolhas dos estudantes poderão elucidar-nos, de forma mais concreta, com que tipo de ideias mais ou menos complexas estão a lidar os nossos estudantes. A ausência de termos que comummente se associam aos métodos geográficos, parece indiciar que a forma como os jovens veem a Geografia e a História está a mudar, revelando um processo de consolidação de conceitos que remetem para a flexibilidade no desenvolvimento de um pensamento multitemporal e escalar mais humanístico, baseado na diversidade e transformação dos territórios e culturas. As ideias expressas pelos estudantes nas suas respostas parecem, portanto, espelhar uma conceção de História e Geografia, nos primeiros ciclos de estudo, ainda arreigadas a uma visão mais tradicional em linha com o aprender lições através do legado das diferentes contextos espácio-temporais numa lógica de construção da memória. No entanto, emergiram também ideias que sugerem uma conceção mais profunda e abrangente acerca do que é, e que “uso”, poderão ter para os estudantes quando se verifica a construção de perspetivas mais abrangentes que sugerem a consolidação de uma consciência geográfica e histórica. É provável que ainda não tenha decorrido o tempo suficiente para que as estruturas escolares, nomeadamente os programas e as práticas docentes, se pudessem ajustar ao referencial único do “perfil do aluno” e à “simplificação” das AE que, obviamente, não se traduziu na diminuição de conteúdos a lecionar, mas sim no aumento de responsabilidade e criatividade do professor que, no quadro desses referenciais, deve preparar/educar os seus alunos para uma sociedade cada vez mais complexa porque o seu desenvolvimento assenta na diversidade, surpresa (e inovação) e, claro, na incerteza.

No entanto, este trabalho levanta uma outra questão de investigação que se relaciona com alguma discordância verificada entre as respostas dos alunos (“Geo/Hist é…” e “Geo/Hist serve…”) e as palavras que emergem dos referenciais de aprendizagem para cada ciclo de estudos, sendo que essas respostas dos alunos parecem mais próximas dos referenciais internacionais. Dito de outra forma, a diversidade de conceitos emanada dos referenciais de aprendizagem conhecerá uma transposição didática por parte dos professores de Geografia e História que permite aos estudantes alcançar essas respostas mais holísticas e, portanto, em linha com as orientações internacionais para a educação, ou será que a respostas dos nossos alunos vão mais ao encontro de perspetivas do que é, e para que serve, a Geografia e a História emanadas pelos meios de comunicação e redes sociais? As demandas, quer do campo da educação histórica e geográfica, quer do campo dos Referenciais Curriculares parecem poder convergir, com maior ou menor profundidade. E este percurso de convergência tem de ter tempo para poder ser percorrido, além de ser necessária formaçãcontínua e continuada de professores que seja promotora de um desenvolvimento profissional docente e da mudança de práticas educativas.

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1 Questo lavoro fa parte del progetto di ricerca, sviluppo e innovazione “La enseñanza y el aprendizaje de competencias históricas en bachillerato: un reto para lograr una ciudadanía crítica y democrática” (PID2020-113453RB-I00), finanziato dall’Agencia Estatal de Investigación (España) (AEI/10.13039/501100011033).

2 “As Aprendizagens Essenciais (AE) são documentos de orientação curricular base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem, conducentes ao desenvolvimento das competências inscritas no Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória (PA).” (DGE, 2018).

3 https://www.wordclouds.com/, acedido em 2022/03/02.

AREAS Revista Internacional de Ciencias Sociales, 45/2023 “La enseñanza y el aprendizaje de las ciencias sociales en tiempos de incertidumbre”, pp. 11-31. DOI: https://doi.org/10.6018/areas.528121.