AREAS Revista Internacional de Ciencias Sociales, 45/2023 “La enseñanza y el aprendizaje de las ciencias sociales en tiempos de incertidumbre”, pp. 55-74. DOI: https://doi.org/10.6018/areas.527371.

Experiências e agenciamentos de sentidos conferidos a textos de antropologia em situações de ensino-aprendizagem

Luiz Alberto Couceiro

Universidade Federal do Maranhão

Resumo

Nesse texto, analiso qual foi o lugar das experiências dos alunos nas suas leituras pragmáticas dos textos, influenciando às dinâmicas de ensino-aprendizagem de antropologia e os impactos no entendimento de suas alteridades. Os argumentos para sustentar tal proposição têm por base discussões recentes sobre etnografia, como forma de desenvolver teorias e conceitos, produzir conhecimento, e trabalhos sobre etnografia em educação. As reflexões aqui apresentadas foram construídas a partir de aulas lecionadas na cidade de Codó, localizada no leste do Maranhão-Brasil, e em aulas on-line no período da pandemia de covid19, para turma com alunos desta mesma cidade.

Palavras-chave: etnografia e educação, ensino de antropologia, teoria antropológica, pesquisa em ensino, formas de aprender

Experiences and agencies of meanings given to anthropology texts in teaching-learning situations

Abstract

In this text, I analyze the place of students’ experiences in their pragmatic readings of texts, influencing the teaching-learning dynamics of anthropology and the impacts on the understanding of their alterities. The arguments to support this proposition are based on recent discussions on ethnography, as a way of developing theories and concepts, producing knowledge, and works on ethnography in education. The reflections presented here were built from classes taught in the city of Codó, located in the east of Maranhão-Brazil, and from online classes during the covid19 pandemic, for a class with students from the same city.

Keywords: ethnography and education, teaching anthropology, anthropological theory, teaching research, ways to learn

Data de recebimento do original: 9 de junho de 2022; versão final: 22 de março de 2023.

Luiz Alberto Couceiro, Departamento de Sociologia & Antropologia e Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Maranhão, Av. dos Portugueses, n. 1966. Vila Bacanga. São Luís-Maranhão/Brasil. CEP: 65080-805; E-mail: luizalbertocouceiro@gmail.com; Tel.: +55 98 9 9134 4555; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1281-8048

Experiências e agenciamentos de sentidos conferidos a textos de antropologia em situações de ensino-aprendizagem1

Luiz Alberto Couceiro

Universidade Federal do Maranhão

Introducción

No exato momento em que entro na reta final da escrita deste texto, leio que dois homens fugiram da fazenda Barra da Cachoeira, escapando de situação de trabalho análoga à escravidão.2 Notícia veiculada pelos mais lidos jornais on-line do Brasil afirmou que, em plena Brasília, capital federal, os denunciantes haviam recebido convite para trabalharem na fazenda do “empresário” – seja lá o que esse nome genérico queira dizer – Igor Emir, onde passaram a viver desde maio deste ano. Apenas um deles resolveu dar seu nome, publicamente. Juarez Sousa, nascido na Bahia, que estava de passagem por ali para uma cirurgia de hérnia pelo Sistema Único de Saúde, que acabou não ocorrendo. No próprio hospital onde chegou a ficar internado, um homem “bem vestido e muito educado” puxou conversa e “de forma gentil lhe ofereceu trabalho”.

Os denunciantes não recebiam salário ou qualquer tipo de remuneração, trocavam ١٢ horas de trabalho por dia para dormir no curral junto com animais, sem colchão ou lençóis e cobertas para encarar a onda de frio perto de zero graus Celsius que assolou a região. Cortavam eucaliptos e transportavam madeira. Tomavam banho gelado, sem acesso à água potável e qualquer coisa que pudesse ser chamada de banheiro. Conviviam com mosquitos, morcegos, escorpiões. Do curral, observaram o empregado do patrão em uma casa estruturada, vivendo sem constrangimento algum. Os homens saíram da fazenda, a pé, e, depois de cinco horas chegaram ao centro de Brasília. Com a ajuda de desconhecidos, conseguiram dinheiro suficiente para comerem algo e irem à Superintendência Regional do Trabalho, do Ministério do Trabalho, fazer a denúncia. Com o suporte da Polícia Federal, auditores fiscais foram à fazenda e resgataram mais um homem, na mesma situação dos denunciantes. Igor Emir foi notificado, pagou multa aos trabalhadores que receberão ainda três salários mínimos, estipulados como auxílio do Estado para casos desse perfil.

Não se trata de caso isolado. Nos últimos meses, denúncias de pessoas submetidas a condições análogas ao cativeiro têm chegado à grande mídia digital, com detalhes mórbidos de maus tratos e demais perversidades de patrões, seja no ambiente rural, sejam em residências urbanas. A edição de 2018 do Prêmio Jabuti, o mais prestigioso na literatura no Brasil, teve como vencedor o geógrafo baiano Itamar Vieira Júnior, também doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia. A obra ainda arrematou os prêmios Oceanos e Leya. Em seu romance de estreia, Torto arado (2018), o autor narra a vida de trabalhadores envolvidos nessas mesmas relações ilegais e humilhantes, porém sem acesso aos meios estatais de proteção. Pessoas que não possuem meios para nem ao menos vislumbrar interromper sua existência de submissão total ao latifundiário e suas redes de relações de favores com políticos e demais autoridades públicas locais e até mesmo nacionais. Pessoas que nasceram na fazenda e quase nada conhecem da vida fora dela. As memórias e formas de configuração discursiva na significação cotidiana da existência são perpassadas por referenciais à escravidão quando era regime de trabalho oficial no Brasil, até 13 de maio de 1888, bem como o que tecnicamente chamamos de pós-abolição, com raríssimas situações de integração dos libertos efetivamente à sua nova condição jurídica.

Quisera eu escrever um texto em que nada dessas situações acima narradas fizessem parte, com dados objetivos, das maneiras pelas quais alunos para os quais lecionei significam suas maneiras de existir, como constroem suas alteridades a partir de dramas geracionais. Mesmo quando interrompidos por gerações mais novas, a violência traumática ainda constitui um traço intergeracional para falar dos momentos de rompimento, das motivações, dos riscos assumidos para reconhecer suas consequências.

Nessa temperatura, produzi um texto, uma etnografia, que não é de modo algum compreendida como mero método de pesquisa ou mera narrativa supostamente imparcial. Por mais redundante que isso possa parecer, ainda é necessário de ser marcado, algo que foi enfatizado de modo mais dramático nos textos publicados por Clifford e Marcus (1986), e que suscita debates mais profundos seja sobre narrativas (Rapport 2000), seja sobre o uso do conceito de cultura (Abu-Lughod 1993). As investigações etnográficas são modos de produção de conhecimento (Caplan 2003; Clifford 1997). Quando se produz etnografia, o autor assume compromissos éticos nas proposições de entender processos ativos de agenciamentos com interlocutores sobre os sentidos que eles conferem aos seus existires, com outros humanos e, em alguma medida, não-humanos, nos termos de Tsing (1993) e Latour (1983).

Conforme sublinha Das (1995; 2015), há vidas que são constituídas em cenários de reconhecido sofrimento por que as vive. Suas causas, suas aflições, conforme nos ensina Das, são parte do exercício de significação permanente das dimensões cotidianas das violências (re)tratadas em linguagens que fogem de olhares catastróficos. Em quadros de vivências enlutadas, de perdas materiais e afetivas permanentes, conhecimento etnográfico pode ajudar a compreender em que termos pessoas investem energia com a clara intenção de reverter infortúnios, e como estar aflito é de fato um estado pessoal e coletivo para mobilizações emocionais para lidar com o desespero e todos os perfis de miséria. O que se segue é um esforço de minha parte em mostrar ao leitor em que termos isso ocorreu nas condições que pesquisei pessoas que habitam qual perfil de existências precárias (inspirando-me claramente em Butler, 2015), sem produzir qualquer perspectiva abordagens de vitimização de pessoas que vivem para tentar ter o próximo prato de comida, em zonas de hostilidades históricas para algo que seja além do sobreviver. Assim como Das, aqui, de forma alguma foi esse o meu propósito.

Tive contato com duas turmas nas quais a cidade de Codó é elemento comum, uma presencialmente e outra com cinco integrantes, em ensino remoto, onde facilmente identifiquei a ambiência da vida oprimida dos trabalhos em latifúndios na atmosfera pedagógica. A cidade tem cerca de 126 mil habitantes, localizada no leste do estado do Maranhão, estando a 292 km da capital, São Luís. Cerca de 60% da população vive na chamada zona urbana, e o restante na rural, onde são produzidos arroz, mandioca, milho e feijão, principal atividade econômica. O atual Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-ONU) de Codó é de 0,595, pouco acima do considerado muito baixo em termos mundiais, e abaixo da média brasileira, 0,750-0,799, o sexto da América do Sul e o 84º. do mundo.3 A taxa de óbitos por mil habitantes é de 14,38, mais do que o dobro da média nacional, que é de 6,61. Mesmo antes da eclosão da pandemia de covid19, tais proporções eram praticamente as mesmas. A cidade de Codó e suas redondezas me são familiares. Nessa região, fiz pesquisas de campo, em 2014 e 2015, sobre processos de ensino e aprendizagem de antropologia, que geraram etnografias publicadas nos últimos anos, com enfoques e questões distintas das que apresento e exploro no presente artigo (Couceiro, 2017; 2020; 2021). Além disso, venho pesquisando a produção de algodão no Maranhão, no âmbito do aumento do uso de indígenas e africanos escravizados, no cenário da Revolução Industrial britânica. A partir de 1754, a capitania do Maranhão, tendo um centro estratégico cotonicultor em Codó e cercanias, foi a última da América Portuguesa a receber um projeto mais agressivo de colonização escravista, exatamente para dar suporte às necessidades têxteis britânicas (Couceiro e Silva, 2015; 2020).

Como tais informações acima narradas ajudam no entendimento dos usos pragmáticos de textos de antropologia e sociologia por alunos de Codó? Processos de pesquisa de situações de ensino-aprendizagem, especialmente para turmas de graduação, podem ajudar a responder tal questão. Aqui, farei isso por meio de discussões recentes sobre etnografia, não como método de pesquisa, repito, mas como maneira de desenvolver teorias e conceitos, produzir conhecimento (Fabian, 2012; Ingold, 2008), avaliando que o campo não foi inventado para ser pesquisado pelo antropólogo, mas sim por ele construído em interlocuções abertas com seus participantes (Amit, 2000; Borneman e Hammoudi, 2009; Hume e Mulcock, 2004; Ortner, 2006). Também terei como base, clássicos e recentes, trabalhos etnográficos em processos educacionais, no Brasil (Borges, 2016; Gomes, 2018; Maia, 2019; Perosa, 2009; Rosistolato, 2016), e noutros países (Blum, 2009; Cave, 2007; Ferguson, 2001; Lareau, 2003; Ortner, 2003; Willis, 1977). As discussões estabelecidas por tais autores estão absorvidas no artigo, usando-as de forma crítica e aplicada à produção etnográfica. Porém, procurei escrever o texto de modo generoso também com os não especialistas nem em discussões das tradições etnográficas, nem em antropologia dos processos de ensino e aprendizagem. Busquei, assim, aproximar leitores interessados e não antipatizar de modo não-canônico (buscando fugir de heresias científicas, evidentemente), mais do que já o fazermos, de modo intencional ou não, em textos de caráter acadêmico.

O que será apresentado nas páginas seguintes parte da perspectiva de que, em certas situações, o professor também é pesquisador e os(as) interlocutores(as) também são alunos(as), inspirando-me em Rapport (1997), que entende cultura como oriunda de exercícios de construção de significação de experiências pessoais e coletivas, perpassadas pelas condições sociais objetivas de existência, que (in)viabilizam as conversas nos ambientes da pesquisa (Favret-Saada, 1977). Nos termos de Strathern (2004), seria compreender antropologia como estudo das paradoxais maneiras de se construir alteridades e ontologias, sempre em fluxos de valores e temporalidades, e historicamente contextualizadas. Não custa lembrar que tais reflexões também foram estabelecidas por autores, alguns clássicos, inclusive, que enfatizaram sua importância na apresentação e indagação dos dados das investigações aos leitores (Evans-Pritchard, 1931; Firth, 1957; Singer e Street, 1972; Stocking Jr., 1983; Thornton, 1985).

Os dados se referem a duas experiências de pesquisa envolvendo o já referido município: a primeira, ocorrida em 2014, em ensino presencial, e a segunda em 2020, na capital, São Luís, já no âmbito da pandemia de covid-١٩, portanto on-line. A perspectiva aqui adotada, conforme argumentos desenvolvidos anteriormente (Couceiro, 2020), visa refletir sobre os efeitos de três etapas de condução do processo de ensino-aprendizagem de antropologia, pelo professor, no caso eu mesmo: (i) conhecer minimamente o coletivo de alunos, escutando suas (des)motivações para estarem ali na aula; (ii) abordar autores das ciências sociais que se dedicaram a temas direta ou indiretamente relacionados à educação escolar, e, por fim, (iii) propor aos estudantes que produzam breve etnografia exploratória em cenário de relações que lhes seja significativo, a partir das suas questões e seus argumentos conformados ao longo das aulas. Contudo, isso foi substituído no cenário da pandemia de covid19, e, portanto, as reflexões tiveram como objeto um documento fílmico.

No contexto de aulas on-line na pandemia de covid19, recomendei aos alunos da turma o documentário de Eduardo Coutinho, Theodorico, Imperador do Sertão, disponível no Youtube4, com o objetivo de oferecer alguma base empírica para o entendimento dos textos que estávamos lendo. Assim, nesse artigo a questão norteadora da investigação é como compreender em que termos esse documento fílmico foi instrumento da construção narrativa autorreflexiva pelos alunos? Como questão auxiliar, precisamos responder de que modo eles se apoderaram dos textos, e de quais, dos que usamos na disciplina, chegando à quais indagações sobre suas vidas, suas famílias? Nas considerações finais tecerei comentários sobre aproximações entre as duas experiências de ensino e aprendizagem, de modo mais direto, na medida em que elas aparecerão de forma sutil ao longo do texto.

2. Codó 2015

Em 2014, lecionava Introdução a Técnicas de Pesquisa em Ciências Sociais para alunos que seriam professores de sociologia. Eram pessoas que já lecionavam outras disciplinas escolares e que participavam do programa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma segunda área de atuação docente. Tal programa chamava-se Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), criado em 2009, tinha como objetivo viabilizar segundos diplomas de licenciatura para professores já atuantes em uma primeira área. Eles(as) integravam os 17.427 alunos(as) que em 2014 faziam parte do programa, na região Nordeste do Brasil que, junto com a Norte, foi uma das que mais contou com municípios interessados5. Como já disse, as aulas ocorreram na cidade de Codó, região de alta concentração de propriedades rurais desde o século 18, quando ocorreu o início da planejada exploração metropolitana de algodão. Assim, o lugar é marcado por lembranças ainda vivas de violentas relações entre africanos escravizados e seus descendentes mais diretos, seus senhores e também populações indígenas que àqueles se juntavam em coletivos de fugitivos chamados quilombos ou mocambos. Devido ao perfil ecológico maranhense, onde há os três biomas convivendo, esses coletivos se articulavam através das matas abertas, bem como pelos lagos que se formam durante as densas chuvas por metade do ano, algo ausente na outra metade. Tais informações serão aprofundadas mais adiante, embora também possam ser consultadas em maiores detalhes noutro artigo (Couceiro, 2017).

Os alunos eram moradores de Codó ou cidades próximas, também com o mesmo perfil, isto é, núcleos urbanos com serviços operacionais básicos e sem diversidade competitiva, como bancos, escolas, mercados, pequenos bares e restaurantes, postos de saúde, principalmente, raros hospitais e cursos de qualificação profissional, estes mais concentrados na capital, São Luís. Há uma fábrica de produtos de limpeza, que os distribui basicamente para o Maranhão como um todo. Esses astros orbitam ao redor de latifúndios ligados à agro-exportação monocultora e altamente mecanizada, a partir dos anos 1980, na maior parte dos casos, seja de soja ou gado, principalmente ou algodão. Era um total de 12 alunos, sendo somente dois homens, professores de escolas privadas e da rede pública de ensino. Além de sua disciplina de diplomação, lecionavam sociologia, de modo improvisado, porém costumeiro em todas as áreas dentro da realidade educacional brasileira, no tocante às classes de mais baixa renda. Como o Brasil tem um dos piores salários para professores do mundo6, se sofre com a má distribuição de docentes pelo país e também carência de docentes em disciplinas como matemática e química, explicando as adaptações conscientes para que escolas continuem existindo, mesmo na precariedade7. As aulas ocorriam em um final de semana por mês, durante quatro meses, das 9h às 12h e das 14h às 17h. Nesse pouco espaço de tempo, busquei ser mais pragmático e planejei uma conversa com a turma na manhã do primeiro sábado, para escutar um pouco da situação de cada aluno, suas motivações para estar ali naquela segunda formação, e em ciências sociais para ser habilitado a dar aulas de sociologia. Em seguida, passaria a explicar o que seria uma etnografia a partir de comentários resumidos sobre clássicos da antropologia, como B. Malinowski, F. Boas, E. Evans-Pritchard. Adotei como roteiro artigo de C. Fonseca (1999), antropóloga estadunidense radicada no Brasil, no qual busca explicar para alunos de cursos de graduação que não os das ciências sociais o que seria basicamente etnografia, seus perigos e suas potencialidades, numa espécie de breve guia com alertas das armadilhas esperadas em cada etapa desse perfil de produção de conhecimento.

Minha opção se deveu ao fato de os alunos não terem muito tempo disponível para ler mais do que um artigo para cada final de semana, e ainda assim um que fosse com, no máximo, 20 páginas. Isso foi justificado na conversa inicial em uníssono pela turma, através de relatos sobre suas rotinas de trabalho nas escolas, cuidados com filhos e organização do lar. Afinal, além das duas escolas, uma privada e outra pública, os alunos ainda tinham mais um emprego fora do universo escolar, como parteiro, enfermeira, cozinheira, coveiro, por exemplo. Levando essa realidade em consideração, propus que fizessem dois exercícios exploratórios, isto é, sem que se cobrassem rigidez conceitual, mas sim focassem na experimentação vivenciada em (1) realizar micro-etnografia em uma escola na qual não trabalhassem e (٢) debatessem o documentário Cabra Marcado para morrer, através das interlocuções e apreensões realizadas na etnografia. Disse que eu guiaria os estudantes ao lhes fornecer questões através das quais poderiam iniciar as incursões às escolas, bem como as observações do filme.8

Fonseca (1999) resgata a frase “cada caso é um caso”, explicando ao leitor ser ela expressão comum nos serviços de atendimento ao público no Brasil, quando profissionais da educação, burocracia, justiça, assistência social e saúde buscam compreender quais são as demandas dos cidadãos que lhes procuram para poder atendê-las escapando do engessamento de manuais de comportamentos que poderiam ignorar perfis sociais específicos, costumeiramente alvo de preconceitos. A lembrança dessa frase se deveu ao fato de recorrentemente a autora se deparar com trabalhos de alunos que buscavam na etnografia um poder mágico para resolver problemas, particularizando situações de antemão. Tais exercícios seriam viciados, posto que os alunos não buscavam historicizar as experiências dos seus interlocutores, e nem os inscrever em marcadores sociais, como classe, gênero, sexualidade, o que atrapalharia na audição das maneiras pelas quais constroem a significação de sua existência, como compreendem seus sucessos e suas frustrações, e o que entenderiam por tais em relação às pessoas com as quais se relacionam.

A dificuldade de alunos avaliarem como lidar com o velho suposto dilema entre o indivíduo e a sociedade, em termos clássicos, conforme reflexões apresentadas por Velho (1998), Becker (1974) e Elias (1994), para diferentes contextos, chama atenção de Fonseca, também tecendo comentários sobre a tentação de se cair em fatalismos estruturais ou em estruturas estruturantes tão fortemente estruturadas que suplantariam qualquer perspectiva de agenciamento. Situações de vínculo pessoal seriam, assim, erroneamente levadas a relações pseudo-terapêuticas ao invés de encaradas como interlocuções para a compreensão dos universos nos quais as pessoas existem.

Fonseca buscou alertar para a escolha dos interlocutores. Quando o pesquisador conhece o universo de investigação, irá testar estereótipos de informações do senso comum; quando não, observará possibilidades durante a imersão, na medida dos jogos de confiança que forem sendo construídos. Hipóteses teóricas são postas à prova neste segundo perfil de pesquisa, quando e quais são as generalizações possíveis de serem realizadas, ao contrário do primeiro perfil. Contudo, em ambos o pesquisador não deve tratar a vida social como um todo coerente, o que seria um delírio ou uma fantasia em nada comprometida com a análise dos dados e das maneiras pelas quais as pessoas pesquisadas conformam suas existências, lidam com alteridades, e em que medida e por quais caminhos justificam suas escolhas e suas ações. E mesmo que se foque em um indivíduo para abordar valores coletivamente compartilhados, não se deve entendê-lo como um resumo etnográfico de trajetória de complexo contexto ontológico. Afinal de contas, operamos em relação aos outros, construindo nas temporalidades as maneiras de ser, alteridades e ontologias, com mudanças e permanências, situados pelo pesquisador em contextos históricos. A ênfase da força no valor ontológico do indivíduo não deve sufocar as relações de interlocução próprias das etnografias como processo de produção de conhecimento, procedimento oposto a qualquer tipo de massacre do outro (Dumont, 1992; Lopes e Alvim, 1999).

As mini-etnografias foram desenvolvidas tendo como base um enxuto esquema que forneci aos alunos para elaboração do diário de campo sintético, porque exploratório, qual fosse a descrição: (1) dos critérios de escolha da escola, (2) das condições de acesso e da localização, (3) da situação predial e das salas, (4) da quantidade e do perfil dos alunos e professores (cor, sexo, gênero e classe, além da ocupação dos pais ou responsáveis). Esses dados foram trazidos e narrados com entusiasmo pelos estudantes nos dois finais de semana seguintes, e, inspirando-se no artigo de Fonseca, problematizados por meio de reflexões acerca das condições de existência dos seus interlocutores. Todas as escolas visitadas, afinal, eram dentro de propriedades rurais, mesmo sendo públicas, e de difícil acesso – somente a pé, através de trilhas alternativas às localizadas em mapas físicos ou via satélite, ou por pequenas motocicletas, dependendo da destreza do motorista.

Traços em comum apareceram nas narrativas. Todas as escolas tinham alunos de várias séries misturadas, na medida em que possuíam poucas salas e condições materiais precárias e improvisadas, da lousa, passando pelo pouco giz, usado com economia, ao pano como apagador, além das carteiras de somente um tamanho para alunos de quaisquer idades. A ventilação era por conta da natureza, sem nem ao menos um ventilador, algo altamente desconfortável para uma região de média de 35C. Sobre a iluminação, poucas lâmpadas existiam, prejudicando a observação dos conteúdos no quadro e demais interações visuais. Livros didáticos existiam através de campanhas por doação e, mesmo assim, eram compartilhados entre os alunos porque não havia um para cada um deles. Os alunos chegavam por longas caminhadas às escolas, e as professoras de bicicletas ou motocicletas velhas de poucas cilindradas. Todos eram filhos de trabalhadores rurais e só não estavam nas atividades de roça, ou ao menos exclusivamente, em função de programas sociais do governo federal, voltados para erradicação da pobreza no campo, fixação de alunos nas escolas e melhores condições de saúde, por atendimento residencial e novos postos de saúde, e vida material, como fazendo lhes chegar luz e água potável.

3. Codó 2020

O cenário, agora, é o do curso presencial de graduação em Ciências Sociais, na sede da universidade, ou seja, localizada na cidade de São Luís, capital do Maranhão. No contexto da pandemia de covid19, em 2020 lecionei a disciplina Antropologia 1, de 60h/aula. Segunda a organização do referido curso de bacharelado e licenciatura, do qual ela compõe o desenho curricular, o docente nela deve tratar da agenda de pesquisas, compreender como se constitui em termos históricos a antropologia como campo de saber e seu objeto de estudo. Além disso, deve-se aprender como o conceito de cultura foi construído, inaugurando a antropologia acadêmica estadunidense, na virada do século XIX para o XX, a partir dos argumentos de F. Boas. Em seguida, o docente busca observar em que termos autores dessa linha fizeram a relação entre personalidade (indivíduo) e cultura (sociedade/coletividade), já no século XX, a partir de seus materiais de pesquisa empírica, e entender as investigações em antropologia sobre variados aspectos de processos de urbanização. Ao final, a turma deve avaliar em que termos é possível fazer antropologia através da análise crítica do sistema capitalista mundial. Trata-se de um curso de Ciências Sociais, composto por eixos de disciplinas obrigatórias em antropologia, sociologia e ciência política, outras temáticas, mais as de metodologias e específicas sobre estágios e estudos e práticas educacionais, no caso da licenciatura.

Em função da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2) e à Covid-19, oficializada pela Organização Mundial de Saúde em onze de março de 2020, tive que lecionar através da plataforma virtual Google Meet, algo completamente novo para mim e os alunos. A opção didática pelo documentário se deu porque, em épocas de distanciamento social, o trabalho recomendado aos alunos se trata de uma análise fílmica, seguindo regras previamente enviadas e explicadas por mim, e não um exercício etnográfico em campo exploratório. O quadro era, e ainda é na expectativa dos impactos das novas variantes do vírus da covid19, o de nos preocuparmos com a velocidade e qualidade das conexões de rede de internet e do aparelho mediador na relação com colegas e o professor, sejam computadores, celulares ou tablets. Nesse quesito, fui buscando experimentar essa maneira de existires pedagógicos em aberto, operando no sentido proposto por Horst e Miller (2006) e Hine (2000), quando tratamos de alteridades e ontologias percebidas em universos de comunicação digital. Afinal, ensino e aprendizagem vêm sendo contingenciados pelas condições de mediação que passaram a ser necessárias ao ingresso nas salas de aula, agora somente virtuais (Couceiro e Rosistolato, 2022; Maluf, 2022). Seres humanos e não-humanos em relações obrigatórias e necessárias foram postos em contato intrínseco para conhecerem também limites de possibilidades de estudar os conteúdos de cada disciplina e de acessar voz e imagem dos professores por eles responsáveis. Mas não somente isso. Se reconhece, também, que o acesso às plataformas de contato cibernético agora também usadas para encontros virtuais pedagógicos institucionalizados ocorre majoritariamente por telefones celulares (Forsey, 2018; Horts e Taylor, 2014). Tais apetrechos vêm sendo incorporados nas análises da produção de alteridades as mais variadas, recebendo significações de acordo com moralidades e critérios coletivamente estabelecidos, informando também interesses individuais, em cenários anteriores aos das necessidades pandêmicas.

Forneço regras de ordem formal para que se acostumem com os rituais de escrita de revistas especializadas, como não esquecer paginação e as referências, e também os pontos a serem desenvolvidos em função dos conceitos centrais trabalhados em cada texto, como cultura e personalidade, de M. Mead, R. Benedict e E. Sapir, por exemplo. Uma vez escolhido o documento fílmico, cabe ao aluno justificar a opção nos termos dos conceitos pedidos, resumir a trama, analisar cenas marcantes e personagens centrais no enredo, inicialmente. Além disso, o já referido filme encontra-se de acesso livre no Youtube9, podendo ser visto, mesmo que em pequenos pedaços, pelos alunos no momento chamado assíncrono das aulas, que ocorreu das 18h30min às 19h30min das quintas-feiras, e retomado por mim na dos tópicos a serem lecionados por meio da explicação do texto do dia, no momento síncrono, das 19h30min até por volta das 21h15min. Isso no caso de o aluno não poder ver e rever noutro horário, dentre de sua realidade de existência.

4. Cabra e Theodorico

Conforme combinado, exibi na manhã do último sábado o documentário Cabra marcado para morrer, do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho. Expliquei à turma que a escolha se deveu à perspectiva que o diretor coloca em seus filmes e suas possíveis interfaces com etnografias, algo apontado por autores como Werneck e Pedroso (2017), Altman (2004) e Novaes (1996). Além do mais, percebia que elementos trazidos através das mini-etnografias poderiam ser identificados na trama desenvolvida por Coutinho e seus interlocutores, em uma espécie de diálogo provocativo, inspirando-me na entrevista por ele concedida a Figueirôa, Bezerra e Fechine (2003). O filme, disponível no Youtube10, trata da retomada de um projeto rodado em 1964, e interrompido violentamente, com a equipe técnica por dias escondida e quase assassinada por policiais à serviço da ditadura então instalada em primeiro de abril, e que duraria 21 anos. Se tratava da filmagem do recente assassinato de um líder camponês no estado da Paraíba, usando trabalhadores rurais locais como atores, incluindo a viúva, Elizabeth Teixeira, peça-chave na trama (Schwarz 1985).

Como o material havia sido escondido, fora dos olhos dos agentes da repressão, Coutinho pode retomar o projeto no início dos anos 1980, com o regime enfraquecido e perto do que viria a ser seu final. Depois de trabalhar como documentarista na Rede Globo de televisão, de 1975 a 85, paradoxalmente uma empresa de apoio ao golpe e ao regime, o diretor juntou recursos para a retomada do filme. Em parte, como proteção aos seus perseguidores, em parte para se manter vivo como artista, Coutinho participou da equipe que produziu documentários sobre temáticas da dura vida de desigualdades no Brasil, que foram ao ar a partir de 1977 com o nome de Globo Repórter. Nenhum deles sofreu censura, da empresa ou de agentes do Estado, até onde se sabe. Por isso, Cabra marcado para morrer foi editado nos horários em que os estúdios da emissora não eram usados, e, depois, com auxílio de um amigo banqueiro entusiasta do cinema nacional, terminado nos EUA (Lins, 2004; Medeiros e Castro, 2017). O material da versão final do filme, exibido em 1984, trata de elementos da filmagem original, das reações das pessoas ainda vivas ao reverem-na, e das suas trajetórias ao reencontrarem o cineasta. O destaque é a relação estabelecida com a viúva, Elizabeth Teixeira, posto que passou a viver com identidade falsa, noutro lugar, como professora, tendo distribuído seus filhos para serem criados e protegidos por outros parentes, coisas que somente foram reveladas a partir das investigações de Coutinho e da sua busca e retomada de contato.

O primeiro documentário dirigido e produzido por Coutinho para o Globo Repórter retomava questões presentes nas filmagens de Cabra, interrompidas em 1964, ao tratar do leque de violências cometidas por latifundiários da monocultura em estados do nordeste do Brasil e trabalhadores rurais que a eles se sujeitavam também para ter o que comer, vestir, onde morar e ter assistência básica de saúde. Essa relação, envolvendo a troca de favores do poder privado, por meio de serviços que deveriam ser obrigatoriamente fornecidos pelo Estado no Brasil, por votos nos próprios latifundiários ou seus protegidos quando candidatos a cargos eletivos, é conceitualizada por coronelismo, base do sistema eleitoral do voto de cabresto. Theodorico, o imperador do sertão foi exibido em rede nacional de televisão em 22 de agosto de 1978, tendo como personagem central Theodorico Bezerra, latifundiário cotonicultor na fazenda Irapuru, distante 100km de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, ex-deputado estadual e federal e vice-governador pelo Partido Social-Democrático (PDS), do qual era o presidente no referido estado (Silva, 2016).

Então com 75 anos de idade, Theodorico apresenta sua nada humilde casa como sendo simples da vida no campo, com suas próprias palavras, marca registrada dos documentários de Coutinho, que fazia, quando muito, questões curtas e cirúrgicas na medida dos temas colocados pelo interlocutor (Menezes, 1994). Diz que é um “mero agricultor, um senhor idoso de bom coração que gosta de quatro coisas: flores, pássaros, músicas e meninas bonitas” – estas últimas sempre por ele comparadas à animais reprodutores, sem que lhes seja conferida mínima alteridade. Imagens da pobreza material das pessoas que viviam e trabalhavam na fazenda, seguindo rígidas regras morais, leis, criadas pelo proprietário, sem o menor sinal de negociação de perdão em caso de serem quebradas, mostravam seu poder sobre humanos e não-humanos, animais, objetos – incluindo o mobiliário das casas cedidas momentaneamente às famílias dos seus empregados – e natureza.

Em Codó, os alunos identificaram histórias de seus familiares, e alunos e professores na mini-etnografia, em relação a atitudes narradas por Elizabeth Teixeira, sobre a maneira pela qual donos de terras e suas milícias mataram seu marido, ameaçaram a ela, em sua saga por justiça, até a eclosão do golpe militar. Tal evento a fez ser oficialmente perseguida e ter que fugir do local, assim como a equipe de Coutinho, só que, de modo mais radical, tendo que distribuir seus filhos para serem criados por outros familiares e literalmente assumir nova identidade, por meio de documentos falsos. Tal situação, inclusive, valeu anos mais tarde documentário do diretor exclusivamente sobre os familiares de Elizabeth Teixeira (Novaes e Da-Rin, 2017). Alunos disseram que haviam sido criados por outros parentes, tios, geralmente, e vizinhos, em certos casos, quando seus pais tiveram que fugir de conflitos armados ao estarem em desacordo com alguma atitude dos fazendeiros.

Tais desavenças sempre estavam ligadas ao âmbito dos contratos de trabalho, informais na maior parte do tempo, principalmente nas posições que exigiam menor qualificação – como na colheita. Os contratos seguiam o modelo padrão largamente encontrado no universo rural no pós-abolição da escravidão no Brasil: para a família do trabalhador, o fazendeiro sedia uma casa dentro da propriedade, fornecia refeições básicas, obrigava que as compras de mantimentos e remédios ocorressem na sua casa comercial em um sistema de crédito perpétuo a ser descontado mensalmente do valor salarial acordado. (Lopes, 1976; Palmeira, 1976; Sigaud 2018) São fazendas pouco ou nada mecanizadas, monocultoras, visando o mercado brasileiro, na maior parte do tempo, segundo os relatos. As famílias já tinham tradição como trabalhadores rurais manuais, e aqueles alunos eram os primeiros a romper com esse ciclo por dentro dessa estrutura, através de oportunidades em programas do governo federal. O principal deles é o Programa Bolsa Família, instituído em 2004 (Marins, 2014). Se trata do maior programa de transferência de renda no Brasil, tendo como foco famílias que dispõem de poucos recursos econômicos, operando por meio de “contrapartidas de acompanhamento da saúde e estado nutricional das gestantes e dos filhos, matrícula e 85% de frequência escolar de crianças na idade entre 7 e 15 anos, e a participação em programas de educação alimentar” (Cacciamali, Tatei e Batista, 2010: 275). Os alunos disseram que, assim como Elizabeth teria virado professora em sua nova vida, e não mais voltando aos trabalhos nas grandes plantações, seus pais e avós conseguiram que seus filhos, então, pudessem frequentar escolas e, por fim, universidades por meio de programas do governo federal.

Ao término do documentário, todos os comentários foram no sentido de que os alunos eram as primeiras pessoas que, em suas famílias, trabalhavam em condições de maior segurança institucional, logo, jurídica. Muito embora tivessem escutado as histórias das violências sofridas pelos pais e avós, nas quais vários deles teriam sofrido agressões físicas e sexuais, justificaram a emoção de verem o filme porque os faziam falar sobre as indignidades sofridas. Afinal, haviam escapado desse universo do ponto de vista mais objetivo através de estratégias coletivas de zelo pela geração seguinte, que seus pais tiveram, assim como Elizabeth. Contudo, esta não pode ver todos os filhos formados, segundo notaram os alunos, por conta da falta deste tipo de preocupação da parte do regime ditatorial militar. Suas etnografias exploratórias faziam parte, segundo uma aluna afirmou, do exercício de dar visibilidade aos insultos sofridos por ao menos duas gerações, e por perfis sociais iguais aos narrados pelos professores e alunos das escolas visitadas.

Era notório que o poder dos fazendeiros em municípios do Maranhão, continuou outra aluna, era absoluto porque eles trabalhavam para que seus candidatos à prefeitura e vereadores fossem eleitos, ao financiarem suas campanhas. Além disso, operavam conexões em níveis estadual e federal para indicarem servidores públicos que, se não os ajudassem em seus interesses, ao menos que não lhes atrapalhassem: do judiciário e das polícias civil e militar, além de órgãos de fiscalização, como Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente (IBAMA) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Os alunos reconheceram que sua geração cresceu em um momento de enfraquecimento desse poder pessoalizado, em virtude de políticas de transparência das regras de controle e acesso dos serviços, aumento de servidores que ingressaram no Estado por concursos e não por indicações, assim como abertura de diálogo direto de ministérios e secretarias do governo federal com populações locais, das quais suas famílias faziam parte. Ou seja, as antigas demandas por reconhecimento de cidadania e acesso aos direitos fundamentais estavam simultaneamente sendo atendidas por agentes do poder público e expressos pelos alunos em dinâmicas como as que estávamos realizando, também em um espaço ligado ao serviço público federal, uma universidade que recentemente lhes tinha chegado (Oliveira, 1996; 2004). Antes, teriam que viajar para a capital, o que envolvia logística complexa em termos econômicos e das alianças para estabelecer moradia e as condições básicas de sobrevivência e circulação urbanas.

Exercitar o discurso sobre eventos históricos considerados como agressões coletivamente reprováveis marcava o espaço de discussões estabelecido pelo documentário, conectados às mini-etnografias, usados como instrumentos de denúncia e, em parte, restituição de integridade moral à trajetória familiar dos alunos. Suas reações às experiências dos insultos e humilhações foram para mostrar em que sentido eles, alunos, encarnavam pontos de inflexão na estruturação do poder local e dos efeitos da presença estatal. Afetos estavam ali mobilizados conectando as mini-etnografias, suas famílias, sua trajetória pessoal com foco nos estudos, no letramento, e o documentário, transbordando da formalidade das regras institucionais, na brutalidade das relações assimétricas de poder. Os alunos recorreram ao artigo de Fonseca (1999) para realizar observações semelhantes, na tentativa de darem maior sentido teórico e metodológico à interpretação das experiências de campo exploratórias. Saber que a região sempre havia sido estruturada por meio de latifúndios, propriedade das mesmas famílias que somente nos últimos vinte anos teria diversificado seus negócios por meio de empresas comerciais locais, e outros serviços privados, havia ajudado no entendimento das situações narradas pelos professores, alunos e seus responsáveis. Desta forma, tal como o documentário, eles buscaram valorizar os cenários históricos como sendo fundamentais na compreensão dos elementos que apareciam nas narrativas, e nos elementos da vida material das escolas visitadas – todas elas localizadas dentro ou nos limites de grandes latifúndios monocultores. Ou seja, as pessoas devem ser historicizadas, suas falas e modos de significar sua existência devem ser escutados nos termos por elas usadas, com atenção, sem desmerecimento algum, para que o pesquisador possa operar com hipóteses abertas, valorizando a experiência da interlocução. Como bem recomenda Fonseca, a ênfase deve estar onde as pessoas existem, e não de onde o pesquisador esteja falando. Afinal de contas, necessariamente a etnografia é um tipo de produção do conhecimento implicado no estranhamento e no posicionamento do autor no texto científico (Clifford e Marcus, 1986; Abu-Lughod, 1993).

Um dos exemplos de Fonseca é o de não impor aos interlocutores regras conceituais sobre marcadores sociais, como o de classe social, para confirmar sua suposta utilidade analítica. O que deve ser feito é buscar o entendimento de como as pessoas agem, existem, significam suas vivências, valorizam moralmente as relações, nos seus ambientes, nas suas trajetórias, nas suas heranças culturais, familiares, e o que fazem com isso, ou seja, como experienciam classe social como em suas práticas. As pessoas estão inseridas em situações traduzidas por marcadores sociais, definidores de seus contextos, mas não do que fazem com os elementos que lhes são apresentados, como constroem arranjos os mais diversos, de sucesso e fracasso. A autora lembra de sua principal agenda de pesquisa, na qual buscou entender a conexão entre filhos não biológicos e a criação de crianças por famílias múltiplas, para alertar ao leitor que não se deve confundir o particular com o geral. Isto é, em seu caso, responder como e porque as crianças circulam, depois de ter o dado concreto de que elas circulam, mais fortemente nas famílias de baixa renda. Desta forma, ela demonstra como no ambiente urbano em que pesquisou tal situação era central a compreensão do valor atribuído por seus interlocutores aos laços biológicos, e, como eles eram interpretados nas justificativas dos caminhos pelos quais as mães e os pais permitiam que seus filhos e os de outras pessoas circulassem pelas casas, no âmbito da configuração das redes de cuidados infantis coletivos. Ao lembrarem dessa passagem do artigo, os alunos observaram como é importante ter o controle do perfil do ambiente e das pessoas que nele vivem para desconstruir estereótipos e percepções cristalizadas, e perceber nuances que até então ainda não haviam detectado mesmo com a familiaridade com o universo de investigação (Fonseca, 1991; 2004).

Nesse aspecto, a terra não foi observada pelos alunos como algo reificador, definidor de uma suposta, por imaginada, identidade camponesa, nem idílica, e nem dramática. Trabalhar nas fazendas era viver na terra dos outros, e nela ganhar seu sustento e ter moradia temporária (Sigaud, 1996). As éticas ali estabelecidas, conforme os elementos narrativos de Cabra deixaram claro para os alunos, eram conflituosas, na medida em que as famílias as aceitavam pelo terror das consequências da negação imaginada. Os alunos, assim, deixaram claro que a terra não era algo com valor em si, mero patrimônio, ou mercadoria com valor econômico (Woortman, 1988). As perspectivas assumidas pelos alunos sobre as rememorações das trajetórias de seus pais e avós, bem como vizinhos, pelo filme e pelas mini-etnografias, não tinham como foco as relações de mercado, integração de suas famílias com as grandes lavouras ligadas à expansão observada durante a ditadura militar (Palmeira, 1989; Velho, 1976). O foco estava nas conformações morais presentes na maneira de ressignificarem as experiências de suas famílias, de sofrimento e dor, para se colocarem no papel de geração que rompe com tal configuração familiar, mas não com a família. Os alunos se reconheciam como monumentos vivos que representavam de modo encarnado a ruptura da sua unidade básica de existência com o poder de grandes latifundiários e seus associados. Com acesso a aposentadorias rurais, seus avós puderam tirar seus pais do latifúndio. Estes tornaram-se comerciários ou pequenos comerciantes nos centros urbanos de cidades como Codó, conseguindo terminar todo o ciclo escolar. Assim, puderam vislumbrar outros horizontes de vida letrada para seus filhos, não apagando, muito pelo contrário, vivendo de outro modo as lembranças da vida na terra, de seus pais, e dos poucos anos que a experimentaram.

5. Antropologia 1

Encontrei esse mesmo perfil de estruturação familiar para que alunos pudessem cursar ensino superior, anos depois, na turma de Antropologia 1. Devido à eclosão da pandemia de covid-19, e diante das aulas on-line, alunos, que haviam migrado para São Luís em virtude da expectativa das aulas e demais experiências presenciais na UFMA, tiveram que regressar para seus municípios de origem. O medo do que até então, abril de 2020, era completamente desconhecido no Brasil e o processo de sistemática desinformação do governo brasileiro sobre tudo o que dizia respeito à covid-19, somado à brutal queda de renda familiar, cortando o fluxo econômico para sustentação de familiares fora do município original, forçaram que alunos passassem, então, a assistir as aulas em casas que não tinham a rotina voltada para aulas via internet, ou de espécie alguma (Sanabria e Bulletin, 2020). Assim, as aulas acabaram sendo assistidas em um mesmo cômodo, segundo relatos dos alunos, por seus avós e pais, transformando-se em novo e pitoresco evento coletivo familiar. Cinco destes alunos estavam em Codó e povoados circunvizinhos, e viram com atenção o documentário Theodorico quando souberam se tratar de um poderoso fazendeiro de algodão, informação recuperada por eles como deveras relevante. Expliquei aos alunos que de fato eles estavam corretos, em termos históricos, ao lembrarem da cotonicultura por meio do eu havia-lhes contado sobre a biografia de Theodorico. Como um de meus temas de pesquisa é a conexão entre cotonicultura, escravidão e capitalismo mundial no Maranhão, fiquei à vontade para lhes explicar, basicamente, como isso ocorreu e seus devidos impactos naquele ambiente.

A região de Codó localiza-se na área explorada para cultivo de algodão, principalmente, a partir de 1755. Até então, a Coroa portuguesa quase nada se importava com a capitania do Maranhão. Com os investimentos voltados para a reconstrução de Lisboa depois do tsunami, ocorrido em primeiro de novembro daquele mesmo ano, a Coroa precisava recuperar-se economicamente (Couceiro e Silva, 2015). Além disso, havia pressão de comerciantes com negócios na Inglaterra e suas colônias, e do governo inglês, pela obtenção de mais algodão suplementar aos importados de outras partes do mundo, na medida em que, antes de 1790, ainda não importavam algodão do Vale do Rio Mississipi. Agentes do governo britânico já viam oportunidades cotonicultoras no Maranhão, desde 1753 (Pereira, 2018).

Possuindo ecossistema apropriado para produção de algodão e terras ainda a serem exploradas por Portugal, coube ao governo da Inglaterra incentivar a criação de uma Companhia de Comércio para viabilizar a estruturação da cotonicultura nas partes do Maranhão a ela propícias. Assim, cabia à Companhia vender o maquinário necessário e africanos escravizados a crédito aos cotonicultores, além de ter por 30 anos exclusividade para a comercialização do algodão. Os diversos rios que compõem a região onde está Codó viabilizavam escoamento do algodão para o porto principal, na capital São Luís. Esses primeiros senhores endividados tiveram que lidar com as agruras do pioneirismo, aventurando-se em terra de coletivos indígenas nada amistosos. As dívidas os impediam de contratar agentes de vigilância dos escravizados, que fugiam constantemente para as fronteiras abertas e quase nada povoadas. Tais regras faziam parte das reformas que o Marquês de Pombal estabeleceu para o Império Colonial Português, com a especialização de regiões coloniais em conexão (Falcon, 1993).

Assim, no esteio da fundação da companhia comercial em 1682, Pombal fundou a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão em 1755, para administrar o absoluto monopólio, por mais de trinta anos, da navegação naquelas capitanias, bem como do comércio de africanos escravizados e da negociação de gêneros coloniais. Maranhão e Grão-Pará formaram duas capitanias no ano seguinte, quando começa a cotonicultura escravista extensiva (Maxwell, 1996). Esse perfil de produção dependia de a coroa lusitana assegurar aos agricultores a chegada rápida e eficiente de contingente de africanos escravizados como nunca havia ocorrido no Maranhão (Silva, 2008), o que de fato ocorreu.

Se tecidos já eram produzidos há mais de um milênio, será apenas com a relação entre fábrica e trabalho de pessoas escravizadas nas plantações que esta mercadoria atingirá uma produção em escala global (Beckert 2015). Produtos têxteis tinham atrativa lucratividade para investidores nesse universo comercial escravista Atlântico, podendo eles operar fosse na aquisição de africanos escravizados, fosse nas unidades de produção, ou nas redes do comércio (Duplessis, 2019). O quadro geral era o da Revolução Industrial inglesa, impactando os negócios da sua principal mercadoria, os tecidos, de cujas negociações só perdiam os alimentos, consumido principalmente em Saint Domingue, na Costa do Ouro africana e nos Países Baixos. Sem o incremento da oferta das matérias primas coloniais, como o algodão, todas essas operações globais seriam inviáveis, algo que ocorreu de forma mais ágil através de companhias privadas multiterritoriais, quebrando o exclusivo metropolitano (Tomich, 2004).

Com o passar dos anos, senhores de terras e de pessoas escravizadas mais competentes nas alianças políticas e na lida com os capitais envolventes nas unidades de produção, escoamento e comércio do algodão, foram se estabelecendo em meio à quebra de outros tantos que não conseguiram pagar os créditos e ao mesmo tempo obter algum lucro. O final do período do monopólio da Companhia de comércio não significou o mesmo destino para os latifundiários locais, mas sim outra fase para a manutenção de seu poder na produção de gêneros demandados pelo mundo capitalista industrial, como mamona, chamada à época por carrapato, devido ao seu formato, para óleos destinados a máquinas na Inglaterra. Acumularam-se escravizados, lucros e terras em suas mãos por décadas, com as mesmas famílias intercalando-se no protagonismo político local, mas sem perder a lucratividade econômica altamente concentrada. Mesmo a luta fratricida ocorrida entre 1838 e 41, chamada Balaiada, quando a província por pouco não se separou do restante do Império do Brasil, não mudou a estrutura rural e nem o perfil senhorial do Maranhão (Assunção, 2015).

Depois dessas minhas breves considerações, alunos moradores de Codó, em Antropologia 1, lembraram que ruas e prédios públicos recebem até hoje os nomes dessas famílias da cotonicultura escravista, que chegaram a possuir tecelagens no final do século XIX e início do XX, aproveitando os impactos da ausência de políticas de assistência aos libertos para explorarem sua fragilidade social, e a necessidade de buscarem eles mesmos dinheiro e maneiras de se sustentar fora das relações senhoriais. Assim, voltamos ao relato orgulhoso do coronel Theodorico, quanto na fala de alunos de Codó, depois de verem Cabra marcado para morrer, sobre quebrar o ciclo de dependências de supostas bondades do latifundiário com os trabalhadores altamente dependentes do seu poder sobre todos os elementos ecológicos existentes em sua propriedade e cercanias. Essas fazendas, aliás, são até os dias atuais fonte de questionamento sobre os processos pelos quais as famílias as adquiriram. Documentos cartoriais são de difícil obtenção, quando de mais de 30 anos passados, e os mais atuais partem de suposições a partir de memórias afetivas e outras formas obscuras de comprovação de que a terra, ocupada e usada para produção altamente lucrativa, sejam verídicas. Os cartórios são concessões públicas para exploração privada, com autorização de monopolizar a emissão e comprovação técnica de todos os tipos de documentos de ordem pública (Pinto, 2016). E não é de se espantar que os cartórios sempre estejam, direta ou indiretamente, nas mãos das famílias mais poderosas de Codó e municípios do mesmo perfil estrutural de poder.

Desta maneira, as famílias se outorgam a oficializar em papel seu poder fundiário, passando pelo crivo do estado. Todas essas informações, segundo tais alunos, foram compartilhadas pelos familiares que começaram a escutar as aulas com atenção, verificando que tratava de temáticas que lhes eram interessantes. Suas memórias foram mobilizadas contando histórias de vida, os avós aos filhos e estes aos alunos, que nunca haviam sido nem ao menos mencionadas – somente por alto –, sem que fosse minha intenção inicial acabar como agente provocador de tais agenciamentos. Desta feita, reconheci tal fator e busquei usá-lo como material analítico, a partir das perspectivas de Kofes (1994) sobre o pesquisador como interlocutor necessário, sem deixar de ficar alerta para as recomendações de Bourdieu (1999) acerca dos usos sociais da biografia como narrativas que ajudam a compreender o que está em jogo no campo de forças e como os capitais estão socialmente distribuídos e são vividos, bem como das reflexões de Pollak (1989) sobre memória como lugar de disputas morais. Antes mesmo que eu lhes perguntasse, os alunos afirmaram que seus parentes justificaram todos da mesma maneira tal ausência. Argumentaram que as violências sofridas eram do âmbito do horror, e que preferiram que as gerações mais novas tivessem só informações boas. Realizaram, assim, edições sobre seu passado, pois todos eles sabiam das sagas nas fazendas, das mudanças de lares provisórios em função do lugar em que trabalhavam e das regras impostas pelo patrão, ora rejeitadas e provocando sua expulsão do latifúndio.

Rememorar pelas aulas era dar sentido aos sofrimentos, violências e desonras sofridas noutros tempos, de modo menos dramático na medida em que faziam tal exercício de significação de parte de sua existência vivenciando a experiência de rompimento mais radical com ela, ou seja, com aulas para netos e filhos estudantes em universidade federal. Nesse sentido as aulas remotas ganhavam outras perspectivas posto que potencializavam a casa como lugar de conquistas diversas, propriedade da família e não de um coronel, final da migração por necessidade de sobrevivência básica, estabilidade emocional ao não terem medo da ação de milícias e mesmo forças policiais a serviço dos interesses daquele, e a certeza de que seus filhos e netos não passariam por tais desonras e humilhações.

Os apontamentos dos 5 alunos foram em direções parecidas, no que tange ao uso dos textos trabalhados nas aulas, para a interpretação de Theodorico e as conexões realizadas nas aulas-evento familiar. A partir de Boas (2004b), observaram como a geografia influencia, mas não determina as maneiras de existir – ajudando a explicar as mudanças e permanências nos estilos de vida e nas ocupações dentro de suas famílias. Boas também os ajudou a entender como traços biologicamente hereditários não são capazes de qualquer tipo de determinação na trajetória de ninguém, mas sendo efeitos biológicos nas formas corporais que serão elaborados em termos de significação nas medidas do campo de possibilidades do existir. Não existindo dons inatos, haveria um diálogo entre indivíduos, caracterizado pelo termo personalidade, e as coletividades, condições ecológicas e materiais, a cultura, nos processos de significação da existência.

Esse modo de organizar as ideias ajudou os alunos a entenderem que não há sustentação teórica capaz de afirmar culturas e maneira de ser em si superiores e outras inferiores, conforme Sapir (2012) demonstrou ao abordar processos de refinamento individuais e comportamentos esnobes como uma pose, legitimando uma roupagem de superioridade. E isso estaria presente nos coronéis representados por Theodorico, com sua suposta bondade e seu suposto olhar refinado para o que melhor exigir da conduta dos moradores porque trabalhadores de sua fazenda. Isso, segundo esses alunos, ainda por Sapir, se contraporia à ideia de sociedade harmoniosa, em escalas de valores, implicando em não haver equivalência em sofisticações éticas e morais entre culturas, formas de existir, e supostos comportamentos superiores, civilizados, maior ou menor autenticidade com critérios de honra universais e atemporais.

A amabilidade do discurso de Theodorico, nos modos de conversa com Coutinho, foi lembrada por três alunos ao associarem-na com a agressividade contida na violência ameaçadora de sua inclemência aos desvios das regras morais sobre os moradores trabalhadores da fazenda. Disseram das paredes decoradas com frases gentis como avisos de vigilância ética lembrando quem mandava ali, dentro de suas casas, e das figuras de mulheres coladas na parede de um cômodo da casa do coronel. Eram cultos estéticos e morais, simultaneamente, marcando as bases éticas envolvidas no exercício do poder do latifundiário e político, uma tendência segundo seus familiares e participantes das aulas-evento on-line. Tais comentários desses alunos foram inspirados em Benedict (1972), ressaltando que a chave de interpretação deveria residir nas contradições aparentes na fala e nos atos de Theodorico, o que foi corroborado por seus familiares, com ricos exemplos dos coronéis cotonicultores para os quais trabalharam boa parte da vida. Assim como fez Coutinho, valorizaram a importância de se compreender pessoas como Theodorico em seus próprios termos, entendendo-o em sua cultura, esta como uma experiência repleta de hábitos consagrados pelos campos de possibilidade de existência.

Usando Mead (1969), reforçaram o fato de que qualquer sociedade ou coletividade existe somente por meio de parâmetros, e que daí os modos de ser se dariam nas medidas das classificações e das significações que as pessoas fariam de suas condutas e das dos outros. Mead ainda enfatiza, lembraram os outros dois alunos de Codó, a necessidade de estabelecer quem estaria em posições de mando, os dominantes, e em situações a eles subalternas em uma mesma unidade de análise. O documentário mostraria as expectativas de comportamento de Theodorico, em tom de gentis ameaças, deixando claro o lugar do desviante da ordem clara imposta a todos. Os afetos, definidos por temperamento por Mead, estariam presentes na fala do coronel o tempo todo, misturando-se com sexo, ofícios, posição social e as ações dos subordinados – inclusive dos descontentes, que aparecem no documentário. Nele, são elementos das expressões de Theodorico cenário geográfico, usos e significados da natureza, as identidades dos envolvidos em relação umas com as outras, fluxos das pessoas, grupos, objetos e também informações. As cenas de Theodorico em seu hotel, na capital, conversando com empresários, comerciantes e políticos, sendo servidos por mais empregados do coronel, porém em outro ramo de poder econômico, segundo esses alunos condensariam tais elementos relacionados por Mead com centrais em uma análise sobre relações de poder.

Todos os cinco alunos elegeram Benedict (2005) como o texto mais significativo para guiar suas reflexões, e as conversas com seus familiares. Isso porque, em primeiro lugar, ela definia antropologia como estudo dos seres humanos como produto social no sentido de suas existências não serem determinadas biologicamente. Os indivíduos, assim, para ela, seriam ligados à diferentes tradições, construindo noções de pertencimento coletivo na medida das afinidades morais e dos costumes. As culturas seriam, desta feita, os moldes básicos das condutas, comportamentos, dos indivíduos, da manifestação social das potencialidades de realização de suas vontades, e das suas consequências, ou seja, sua personalidade. Desta feita, as investigações em antropologia deveriam ser, para Benedict, segundo entendimento dos alunos, a compreensão da variedade de costumes no cotidiano, quando do encontro da sociedade com indivíduos, da cultura com a personalidade. Até que ponto, então, somos o que plantamos?

Essa questão serviu para nortear reflexões de seus familiares, revelando os mecanismos de ruptura com os latifundiários, valorizando os riscos assumidos, a violação da honra daqueles, provocando fugas nas matas por dias e até semanas, escapando da sanha dos bandos armados de pistoleiros caçadores. Afinal de contas, tinham desafiado o poder local ao discordarem das prerrogativas morais do latifundiário e observarem outros caminhos de existir, sob outras éticas, servindo de exemplo a outros trabalhadores – o grande pavor dos patrões. Sair de perspectivas autocentradas para compreender as nossas e outras convenções culturais, formas de significação da existência, apontadas por Benedict foram sublinhadas pelos alunos em suas conversas com familiares, pavimentando caminhando que lhes era interessante na reflexão coletiva inédita desses momentos-saga que culminaram de fato em ruptura com a estrutura de poder, literalmente ao conseguirem sair dos limites do latifúndio monocultor. Na medida em que cultura, como reafirmaram Mead e Benedict, além de Sapir, a partir de Boas (2004a), claro, não é transmitida biologicamente, os alunos indicaram que vivenciaram no seio familiar, por causa das aulas on-line, o aprendizado de que os questionamentos e as suas devidas respostas são construções temporais, em nada lineares.

Quais eram as bases morais dos comportamentos dos coronéis? Como eles construíam os critérios de julgamento das condutas consideradas certas e erradas dos moradores e trabalhadores, dentro das fazendas? Os alunos formularam tais questões a partir dessas perguntas, elaboradas nas aulas, e também no âmbito do interesse construído de modo inesperado com seus familiares, presentes no ambiente onde estava o computador, em cada uma das casas dos cinco de Codó.

6. Considerações finais: honra e moral, conectivos das duas experiências pedagógicas

Narrativas de questionamento sobre quem teria a legitimidade social de poder reconhecer e retribuir honra a alguém ligam ambas as situações de ensino e aprendizagem analisadas. Algo assim só pode ser compreendido acerca dos entendimentos acerca das atribuições locais sobre o que são consideradas condutas honradas, na medida do que se espera dos comportamentos que mereçam ser assim classificados (Perisitiany e Pitt-Rivers, 1992). As temporalidades de experimentação das relações em latifúndios na mesma região maranhense mudaram entre as gerações das famílias dos alunos, porém com a permanência da percepção sobre o exercício do poder senhorial. Isso demonstrou que tais relações são baseadas em valores morais vividos em tempos que devem ser reafirmados, acordos reconhecidos diante de mudanças comportamentais, possibilidades de acesso aos serviços estatais, e demandas entre os participantes dos graus diversos de exercício do poder.

Assim, é necessário que esteja claro quem define os padrões de conduta, as etiquetas a serem seguidas, e as penalidades para os desviantes. Através desta afirmação, é possível entender os modos pelos quais os alunos fizeram as conexões das memórias familiares com os documentários, envolvendo a compreensão de suas próprias maneiras de existir. As leituras dos textos das aulas foram centrais nos processos de conferir significação às vivências dos próprios alunos, ganhando cada vez mais potência na medida do seu envolvimento afetivo. Revelaram que as pessoas são agentes morais, e precisam ter habilidade para readequar os compromissos éticos com os demais envolvidos, e, no caso do senhor das terras e seus prepostos e associados, confirmando seu poder de julgá-los nesse perfil de relação altamente pessoalizada. Ou seja, os alunos observaram como os filmes mostraram a insignificante interferência de terceiros nessas relações assimétricas de poder, sem haver pessoas ligadas a instituições mais burocratizadas e ações por meio de condutas impessoais. Portanto, a honra encarnada em uma pessoa jamais será um valor absoluto, eterno, segundo as falas nas aulas, sem que ela precise prestar contas também aos que nela depositem respeito, seja por medo, seja por admiração (Herzfeld, 1980). É preciso determinar os momentos de aprovação e reprovação social.

Localizamos, em sala, elementos empíricos que demonstraram momentos nos quais se fere uma reputação, que é a construção da admiração pessoal através de anos de comportamentos entendidos como exemplares. A reprovação ocorre com atitudes claras que conferem humilhação ao indivíduo que tenha violado o código moral em jogo, humilhações compreendidas pelos trabalhadores rurais, pais e avós dos alunos, como sendo excessivas e levando-os a assumir o risco do rompimento das relações com os latifundiários. Isso levou os alunos a avaliarem, portanto, quais os arranjos sociais que serão agenciados quando ocorre uma crise estrutural de sustentação da crença e da prestação de contratos envolvendo moralidades agora desonradas? As respostas foram buscadas através dos elementos de suas trajetórias individuais e familiares, em diálogo com gerações mais antigas.

O perfil de exercício pedagógico empregado nas aulas presenciais e nas on-line, em anos diferentes, possibilitaram avaliar coletivamente como a leitura pragmática de textos recomendados aos alunos permitiu identificar casos de quebra da dádiva enquanto experiência vivida, e não meramente imaginada. Operamos em conjunto, nas salas físicas e nas virtuais, com evidências materiais dos insultos, traduzidas e ressignificadas no âmbito de atividades das ciências sociais institucionalizadas. A linguagem dos textos mesclada com a coloquial foi operada não como sendo excludentes, mas parte de diferentes formas de expressão da existência e etapas distintas da escolaridade dos alunos, revelando economias linguísticas compartilhadas por estes moradores de Codó (Bourdieu, 1996). A linguagem coloquial empregada ainda quando os alunos estavam sem muita intimidade com os modos dos autores expressarem suas ideias podem ser entendidas como elementos dos processos recentes de expansão de direitos e cidadania. Nas aulas on-line, os alunos perceberam, com seus familiares, que o documentário fomentava conversas que não tratavam de questões individuais ou somente de suas famílias e suas conhecidas próximas. Honra e dignidade, assim, estão costuradas nessa trama estruturada por questões históricas semelhantes, reconhecidas pelos alunos, nos dois casos, através do exercício de significação de parte de sua existência e dos elementos da herança familiar identificados nos documentários, que fomentaram maior aderência à operacionalização dos textos e de interlocução com agentes circunstancialmente ligados às aulas, professores e alunos nas minietnografias, e familiares nas aulas on-line.

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1 Esse artigo contou com auxílio da Capes para a realização das aulas no Parfor. Quero agradecer a Gamaliel Carreiro (UFMA), então coordenador do PROFEBPAR-UFMA, pelo convite para lecionar LECS em Codó-Maranhão, assim como pela confiança dos alunos no trabalho realizado. A redação da primeira versão desse artigo ocorreu no período do pós-doutorado, realizado entre agosto de 2019 e agosto de 2020 no Fernand Braudel Center (FBC), na State University of New York (SUNY)-Binghamton University, realizado com bolsa Fapema de pós-doutorado no exterior. No FBC, contei com excelente ambiente de trocas as mais diversas e o suporte dos professores Richard Lee e Dale Tomich, e da logística burocrática de Amy Keough e Kelly Pueschel, que, junto com Rejane Valvano (UFMA), Roberto Ortiz e Odika (Odie) Santiago proporcionaram inesquecíveis momentos de amizade para irreverentes e importantes reflexões. Ainda na SUNY, fundamentalmente depois da eclosão da pandemia do Covid-19, recebi amigável, eficiente e essenciais suportes do professor Joshua Price e de Joseph (Joe) Citriniti, no Departamento de Sociologia. Ainda agradeço o diálogo com Rodrigo Rosistolato (UFRJ), Amurabi Oliveira (UFSC) e Guillermo Sanabria (UFBA), sobre antropologia em educação, esgarçando as possibilidades analíticas de modo provocativo, sempre. O(a)s pareceristas da Revista Áreas muito me ajudaram a amadurecer os argumentos apresentados nesse artigo, com preciosas dicas que busquei aproveitar, sem descaracterizar a ideia e o estilo do mesmo. Deixo aqui meu muito obrigado, assim como aos editores desse dossiê especial. Todas as ideias presentes nesse artigo são de minha inteira responsabilidade.

3 https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ma/codo.html. Acesso em 07 jun 2022; 2020 Human Development Report, United Nations Development Programme, 2019, p.242, Acesso em 07 jun 2022.

5 Todas essas informações constam na página http://www.capes.gov.br/educação-basica/parfor (acesso em 20/09/2016).

8 Vale dizer que há outros tipos parecidos de exercício experimentados por colegas de outros lugares, e publicizados em artigos, como Trnka (2017) e Swyers (2016), por exemplo.

AREAS Revista Internacional de Ciencias Sociales, 45/2023 “La enseñanza y el aprendizaje de las ciencias sociales en tiempos de incertidumbre”, pp. 55-74.

DOI: https://doi.org/10.6018/areas.527371.